quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

O mercado como intermediário entre a arquitetura e a cidade

O futuro é o mercado
Valentina Figuerola



Com uma personalidade expansiva e questionadora, Massimiliano Fuksas acredita que o campo de atividade dos arquitetos não deve se limitar à estética. Para ele, além de criar edifícios funcionais e integrados à paisagem urbana, o arquiteto deve "ajudar os outros (leigos) a compreender o que é a boa arquitetura". Foi com essa visão que o romano, descendente de lituanos, definiu o tema da Bienal de Veneza de 2000, o polêmico Less Aesthetics, More Ethics, ou Menos Estética, Mais Ética, em português. Como curador-geral da mostra, Fuksas lançou o debate sobre o novo contexto social e urbano e o compromisso dos arquitetos como intelectuais. Formado em 1969 pela Faculdade de Arquitetura La Sapienza, da Universidade de Roma, ele trabalhou com o historiador e crítico de arquitetura contemporâneo Bruno Zevi e, aos 16 anos de idade, foi discípulo do pintor surrealista De Chirico. Dentre os principais trabalhos do italiano estão o edifício da entrada da Caverna de Niaux e a Casa das Artes, ambos na França, a Municipalidade do Cassino, na Itália, o Centro da Paz, em Israel e o plano urbanístico da Praça das Nações Unidas, em Genebra. Em entrevista à AU, Massimiliano Fuksas fala sobre megalópoles, sua relação com o mercado imobiliário e a arquitetura brasileira.


aU Como você resolve a equação que envolve o dever do arquiteto e sua relação com o mercado imobiliário?

FUKSAS Eu acabo de descobrir o que é o mercado imobiliário e no início fiquei bastante assustado, porque estava acostumado com o cliente público. Não existem mais obras públicas, o governo deixou de ser cliente, não investe mais. Pelo que sei, o mesmo acontece no Brasil. Há hoje um novo tipo de cliente que é privado, porque utiliza o capital da iniciativa privada, mas não deixa de ser público, visto que não constrói para uso próprio, mas para outros ocuparem. Para esse cliente, obra é investimento. É uma situação completamente nova que exige do arquiteto uma nova forma de pensar. Você projeta para você mesmo, ou para um público que você tem de tentar imaginar quem é. Isso é muito estranho.

aU Além disso, ao trabalhar para o mercado imobiliário, o arquiteto assume o compromisso de trazer lucro para o investidor, não é? Imagino que ao desenhar o Vienna Twin Towers você tenha enfrentado essa situação...

FUKSAS Na verdade não. Esse projeto ficou em um meio termo nesse sentido. Foi o último empreendimento feito para um cliente. Depois disso surgiu algo novo, o incorporador.



aU Como você lida com o incorporador? Como conciliar a obrigação de promover lucro com a produção de uma arquitetura de qualidade?

FUKSAS Bem, tentamos entender as necessidades do mercado, enxergar aí as possibilidades para a arquitetura. Penso que, daqui para o futuro, teremos de tentar responder a esse novo conceito. É muito difícil mesmo, mas é o futuro. Do contrário, o arquiteto vai ficar limitado a obras como museus e igrejas e, para mim, isso tudo é apenas uma parte do mundo. Eu quero pensar em novas formas de viver, novas formas de fazer compras, de trabalhar. Antes de projetar o Empório Armani de Hong Kong, na China, nunca havia concebido uma megastore. Achei muito interessante fazer o projeto porque pude perceber o que os arquitetos podem fazer pelos leigos, pessoas que estão longe da arquitetura.


aU No Brasil vivemos uma situação dramática em que as imposições do mercado têm criado imensas dificuldades para os arquitetos produzirem um bom trabalho...

FUKSAS O problema é que vocês não devem mudar a si próprios, mas ajudar os outros a entender a arquitetura. Você não precisa ser esnobe, não se trata disso. Mas, se você teve acesso a uma boa formação, tem cultura, tem também o dever de ajudar os outros. Vivemos um momento em que as cidades precisam de arquitetura. De arquitetura e de arte.


aU Na Bienal de Veneza de 2000, você mostrou uma visão bastante catastrófica sobre as grandes cidades. Permanece essa opinião?

FUKSAS Penso que o problema são as megalópoles.


aU As megalópoles?

FUKSAS Exato. Eu ainda defendo que não se pode construir sobre o planeta inteiro, mas, sim, concentrar e conferir identidade aos lugares. As megalópoles são algo à parte e devem ser consideradas como um objeto, uma escultura, e não como um aglomerado de prédios bonitos que você vê numa viagem de turismo.


aU Não sei se ficou claro...

FUKSAS É preciso mudar completamente de abordagem porque agora estamos falando de outra coisa, não de arquitetura, mas do conceito de colossal. Não há mais espaço para obras de arquitetos como Andrea Palladio, como o Coliseu, por exemplo. O conceito de todo o complexo da megalópole é muito forte porque é colossal. Trata-se de uma nova estética. A dimensão é uma nova estética.


aU Que solução você propõe?

FUKSAS A solução é aceitar, proporcionar mobilidade e aumentar a densidade das megalópoles.


aU Algo na linha de Manhattan?

FUKSAS Manhattan é arcaica. É arcaica porque é história. A megalópole é algo novo e que não conhecemos. Na minha opinião, o desenho urbano deveria adquirir uma escala bem maior do que a atual: em vez de pequenos e numerosos quarteirões para mil pessoas, por exemplo, deveríamos adotar grandes blocos em que coubessem 20 mil pessoas.


aU Você pode dar um exemplo?

FUKSAS Não, porque não há um exemplo. Isso poderia ser uma utopia dos anos 60. É uma pena que a utopia tenha sido deixada de lado, porque é uma parte importante da reflexão. Hoje a reflexão é feita de forma muito acadêmica. A arquitetura se tornou pragmática, realizada dentro do possível, enquanto a discussão ficou num nível muito acadêmico.


aU Você incorpora ao seu trabalho conceitos como leveza, transparência e comunicação. Você cosidera que essa abordagem poderia ser um caminho para a megalópole?

FUKSAS Algumas vezes precisamos de leveza e transparência, outras, de espaços fechados, cegos e até artificiais, sem iluminação natural e climatizados. Talvez não existam lugares assim em Roma ou no Brasil, mas isso já ocorre em ambientes como aeroportos e shopping centers.


aU Você já esteve no Brasil?

FUKSAS Sim. Já visitei São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador e Belo Horizonte. Em 1998 fui passar o carnaval na Bahia. Atravessei o País em um Volkswagen a álcool. Foi uma viagem fantástica. Mas foi em São Paulo que vi o edifício mais surpreendente de minha vida, aquele museu projetado por aquela senhora italiana... (Fukas refere-se ao do Masp - Museu de Arte de São Paulo - de Lina Bo Bardi).

MASP 


aU E qual a sua opinião sobre a arquitetura brasileira?

FUKSAS O Brasil teve uma arquitetura muito forte nos anos 60. Era realmente inacreditável! Mas não sei muito sobre a produção da nova geração de arquitetos brasileiros que, assim como a dos latino-americanos, não é muito divulgada aqui na Europa. Já vi alguns bons exemplos, mas não é possível criar um conceito a partir de tão pouca informação.

Fonte: Revista AU
Fotos:
Massimiliano Fuksas: Moreno Maggi
Masp: Oliveira Júnior

2 comentários:

  1. Começo destacando o fim da entrevista de Fuksas: "O Brasil teve uma arquitetura muito forte nos anos 60. Era realmente inacreditável! Mas não sei muito sobre a produção da nova geração de arquitetos brasileiros que, assim como a dos latino-americanos, não é muito divulgada aqui na Europa. Já vi alguns bons exemplos, mas não é possível criar um conceito a partir de tão pouca informação."...
    Será que andamos para trás nos últimos 50 anos?
    A ousadia internacional da arquitetura brasileira esteve mais viva na década de 60 do século passado do que na ordem do dia. Interação, articulação e difusão global têm feito falta inclusive entre nossas aldeias.

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  2. Eu destacaria outro ponto das palavras de Fuskas:

    "É uma pena que a utopia tenha sido deixada de lado, porque é uma parte importante da reflexão. Hoje a reflexão é feita de forma muito acadêmica. A arquitetura se tornou pragmática, realizada dentro do possível, enquanto a discussão ficou num nível muito acadêmico."

    Outro dia apresentei uma banca de estágio supervisionado na Universidade sobre a temática da Regularização Fundiária. Fora a minha orientadora, nenhum dos professores da banca conhecia o tema. Ao discutir sobre a necessidade de reconhecer e integrar a informalidade urbana, que é consequência direta desse mercado imobiliário ditador citado na entrevista, ouvi de um professor a seguinte frase, traumática para uma formação acadêmica eu diria:
    "Esse tipo de urbanismo é utopia, deixemos essas discussões para os políticos e os advogados, nosso papel é desenhar"
    Será tão raso assim o nosso papel?
    Nos comprometemos apenas com as pranchetas?
    Reitero as palavras da querida professora Rossana: Interação, Articulação, Difusão Global, e eu ousaria também acrescentar Renovação.
    De mentes, de papéis e da essência do que é ser ARQUITETO.
    Mais ética e menos Estética é sinônimo pra mim de mais engajamento, e menos superficialidade.

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