domingo, 9 de setembro de 2007

Marco Suassuna

Proposta de Requalificação Urbana para o Bairro São José - João Pessoa/PB
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INTRODUÇÃO

Este trabalho é resultado das atividades de extensão do curso de Arquitetura e Urbanismo do Centro Universitário de João Pessoa – UNIPÊ, denominado Projeto Arquitetura no Bairro, realizado entre março e dezembro de 2006. As tarefas foram elaboradas pelos alunos sob coordenação e orientação dos professores arquitetos e urbanistas da referida instituição. Teve como foco de estudo o bairro São José e seu entorno imediato. Antes da descrição do estudo arquitetônico-urbanístico, é necessária uma breve abordagem da situação conjuntural da área e os fatos existentes durante o processo.
O fenômeno urbano da favelização é uma realidade que já faz parte da paisagem citadina das médias e grandes cidades brasileiras. Na capital paraibana, as favelas e bairros pobres estão situados não apenas nas franjas da cidade, mas também, em espaços intra-urbanos do tecido morfológico. Deste modo, são cada vez mais comuns os casos de bairros da cidade formal conviver lado a lado com as chamadas ocupações espontâneas da cidade informal. Deficientes em termos de infra-estrutura, serviços e equipamentos públicos, estes assentamentos revelam condições desumanas de habitação que comprometem as perspectivas de gerir sustentavelmente as relações sociais na cidade. Diante deste cenário, é necessário, urgentemente, adotar medidas de inclusão social e de desenho urbano a ponto de promover um continuum espacial na "cidade partida" e a conseqüente melhora do entorno imediato. As intervenções urbanísticas nestes espaços devem respeitar as peculiaridades morfológicas, comportamentais e ambientais de modo que a integração à rede de relações da cidade "legal" promova uma boa performance urbana.
Neste contexto, o bairro São José é a representação visível do contraste sócio-espacial que perdura por mais de três décadas numa área nobre da cidade de João Pessoa, demonstrando o descaso dos governantes para com mais de 13.000 habitantes que sobrevivem na área. É na intenção de mudar este quadro que o presente trabalho propõe um plano urbanístico de desenho urbano com inclusão social e sustentabilidade ambiental, sendo parcialmente mostrada aqui a intervenção no terreno intra-bairro como uma das áreas catalisadoras das transformações.
Pretende ainda contribuir com o debate acerca do uso do único vazio urbano dentro do Bairro São José. Como proposta, apresenta um anteprojeto arquitetônico de duas Unidades de Saúde da Família (USF’s), sede da organização não-governamental (ONG) Projeto Sou do Bairro e área de lazer, visando aproveitar o potencial do terreno de forma a ordenar o espaço disponível com usos que promovam a inclusão social e a melhoria da qualidade de vida dos moradores do referido bairro.
A proposta dos serviços sociais (postos de saúde, ONG) e equipamentos (praça, quadra de esportes) das áreas aqui estudadas, não separam a parte do todo ou as áreas de intervenção do bairro, sendo indissociáveis para as transformações em longo prazo, desde que observadas numa ótica sistêmica das mudanças.
Conforme citado, a área de intervenção é o único vazio urbano do bairro São José. Por este motivo é estratégico para as mudanças das vidas dos moradores. E é exatamente por isso que os usos implantados devem ser exaustivamente debatidos sob pena de arrependimento e desperdício deste espaço. Seguindo esta premissa, foi precondição o contato da equipe do Projeto Arquitetura no Bairro com a comunidade, seja com os representantes da Associação dos Moradores, seja a partir de apresentações da proposta dirigidas aos moradores em geral. A intenção foi orientar as ações urbanístico-arquiteturais na área e entorno imediato, sempre privilegiando o interesse da coletividade.
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FIGURA 01 - Terreno da intervenção proposta. Único vazio urbano do bairro.
Fonte: do autor, 2004.
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Simultaneamente ao trabalho de extensão realizado em 2006, a Prefeitura Municipal de João Pessoa (PMJP) implementa a Estratégia de Saúde da Família (ESF) e anuncia, nas proximidades do Bairro São José e da comunidade Chatuba (situada após o rio Jaguaribe), a construção da Unidade Integrada de Saúda da Família (USF) fazendo parte das metas da política municipal de saúde. Esperando-se que melhores condições de trabalho para os profissionais de saúde e aos usuários do Sistema Único de Saúde (SUS) sejam alcançadas.

FIGURA 02 - Modelo eletrônico da Unidade Integrada de Saúde da Família do São José/Chatuba.

Fonte: Prefeitura Municipal de João Pessoa-SEPLAN, 2007.

Mesmo sabendo da implementação da USF pelo poder público no referido bairro, ficou acordado entre os membros do grupo do trabalho de extensão que seria válido ir adiante e finalizar o que a equipe de alunos e professores tinha começado, tendo inclusive apresentado a uma parcela da comunidade e a movimentos sociais locais. Neste sentido, acreditou-se que a continuação da proposta de requalificação urbana vinha agregar valor nas discussões acerca do assunto.
Nas figuras a seguir, mostra-se a proximidade entre o lote da intervenção proposta e a USF em fase de conclusão pela PMJP, o que demonstra um potencial de integração sócio-espacial na área estudada.


FIGURAS 03 e 04 - Vista aérea do Bairro São José. As áreas de intervenção (em destaque) no tecido urbano e sua relação com o entorno imediato. 1- Área da intervenção proposta. 2 – Lote onde está sendo construído a USF pela PMJP. Nota-se a proximidade entre as áreas, evidenciando um potencial de integração sócio-espacial.

Fonte: SEPLAN - Setor de geoprocessamento, 2006.

DO ASPECTO LEGAL DO LOTE DENTRO DO BAIRRO SÃO JOSÉ

Para que as intervenções sejam realizadas lote do bairro São José em questão, mais especificamente na Rua Edmundo Filho, é necessário resolver a regularização fundiária do mesmo. A propriedade estava sob domínio do Estado da Paraíba através da Companhia Estadual da Habitação - CEHAP. Esta cedeu o termo de posse do terreno para a ONG Projeto Sou do Bairro que atua com trabalho social na comunidade. Esta, por sua vez, através do seu vice-presidente, Sr. Henrique Sérgio, já demonstrou interesse em negociar com a Associação dos Moradores do Bairro São José e com a PMJP. Este fato pode ser comprovado com os documentos apresentados em reunião no mês de junho de 2006 com os representantes da referida ONG, do UNIPÊ e da própria comunidade do Bairro São José.
Neste sentido, os caminhos para as negociações estão abertos e espera-se um final satisfatório para todas as partes envolvidas.

ANTEPROJETO
O terreno da intervenção projetual situa-se na Rua Edmundo Filho, principal eixo viário do bairro São José, local da antiga lavanderia pública, e encontra-se em estado de abandono e ociosidade. O lote corre o risco de ser ocupado desordenadamente o que seria mais uma perda inestimável para a comunidade.

FIGURA 05 – Mapa de localização da área de intervenção.

Fonte: do autor, 2004.

O anteprojeto arquitetônico em questão visou aproveitar o espaço disponível de forma racional e compatível com as necessidades dos usuários em relação aos equipamentos e serviços na área. Desta forma, a implantação dos blocos da ONG e da USF (para duas equipes) em “L” foi à solução adotada para não comprometer a criação de uma mini-praça e quadra para prática de esportes. No aspecto geral, a intenção é oferecer aos moradores não só melhores serviços de saúde, mas, sobretudo, promover através dos espaços criados, atividades sócio-educativas e de convívio coletivo.
Quanto à linguagem arquitetônica, a proposta se apresenta sóbria e ao mesmo tempo lúdica à medida que utiliza cores quentes em volumes específicos das edificações (ver figuras 05 e 06). A unidade formal e sobriedade ficam por conta da pureza do branco. Juntos, os aspectos citados afirmam a identidade plástica pretendida de maneira a contribuir com a requalificação espacial e com o melhor desenho da paisagem numa região tão degradada.



FIGURA 06 - Proposta de Implantação do conjunto arquitetônico. Nota-se a mini-praça entre os blocos das USF´s (à esquerda) e da ONG.

Fonte: Trabalho de Extensão UNIPÊ, 2006.

Em relação aos aspectos construtivos, a idéia é utilizar (no prédio da ONG) o processo tradicional de concreto armado e vedações em alvenarias de tijolo de oito furos, visando associar o processo de construção com a participação da mão-de-obra da comunidade beneficiada. Já nas USF´s, pelo fato da planta baixa do térreo ser a mesma do pavimento superior, foi proposto a alvenaria estrutural pela rapidez e economia na obra por dispensar pilares e vigas. Nas esquadrias, optou-se pelos basculantes por serem mais baratos e responderem com eficiência a ventilação e iluminação naturais.


FIGURA 07 - Vista, em primeiro plano, das USF´s. Em segundo plano a quadra e ONG. Estacionamento e bancos também estão contemplados na proposta.

Fonte: Trabalho de Extensão UNIPÊ, 2006.


FIGURA 08 - Vista, em primeiro plano da quadra e da ONG. Em segundo plano o bloco das duas USF´s. Quanto às cores, a predominância do branco contrasta com o vermelho, o amarelo e o laranja dos volumes específicos dos dois blocos do conjunto arquitetônico.

Fonte: Trabalho de Extensão UNIPÊ, 2006.




FIGURAS 09 e 10 – Plantas baixas das USF’s.

Fonte: Trabalho de Extensão UNIPÊ, 2006.


Figuras 11 e 12 - Plantas baixas da sede da ONG Projeto Sou do Bairro.
Fonte: Trabalho de Extensão UNIPÊ, 2006.

OUTRAS POSSIBILIDADES
Durante os trabalhos, a equipe ainda investigou, de forma incipiente, outras possibilidades do uso racional de ocupação do solo na área. Entre elas está a inserção de uma praça no lugar do edifício das USF´s, demonstradas nas imagens a seguir.


FIGURA 13 -. Vista, à esquerda, da praça arborizada. Do lado oposto, quadra e vista aérea do edifício da ONG Projeto Sou do Bairro.

Fonte: Trabalho de Extensão UNIPÊ, 2006.


FIGURA 14 - Outro cenário proposto. Praça arborizada, quadra e edifício da ONG Projeto Sou do Bairro.

Fonte: Trabalho de Extensão UNIPÊ, 2006.

Pode-se ainda, substituir o uso das USF´s por outro de cunho sócio-educativo. Centro de inclusão digital, rádio comunitária, sede nova para a associação dos moradores, são algumas das possíveis formas de ocupação racional do lote.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo de mais de três décadas as Comunidades dos bairros São José e posteriormente Chatuba vem sofrendo com o processo de urbanização. Este se deu de forma excludente e com a priorização de investimentos infra-estruturais nos bairros da dita cidade formal, o que provocou exclusão sócio-espacial e uma piora gradativa da qualidade de vida de tais comunidades. Para reverter este quadro e indicar caminhos para mudanças positivas, o único vazio urbano é estratégico. As intervenções espaciais propostas visam resgatar a auto-estima, melhorar a provisão dos equipamentos e serviços urbanos, e criar espaços para sociabilidades. Espera-se plantar uma semente de transformação da imagem negativa do bairro, cooperando para a humanização deste.
Enfim, cabe salientar, que, não se pretende esgotar com este trabalho, as discussões a respeito do assunto. A idéia é provocar a reflexão antes da intervenção, visando evitar arrependimentos e conflitos desgastantes e aumentar o índice de satisfação dos beneficiados.
Podemos concluir, portanto, que as transformações espaciais, sociais e ambientais a serem realizadas no bairro de São José e na Comunidade Chatuba, poderão corresponder aos múltiplos anseios de sua população, alcançando padrões de urbanidade que incluam todos os moradores indistintamente, como as crianças, os jovens, os adultos e os idosos. Com esse processo participativo, os moradores das referidas comunidades confirmarão o sentimento de pertencimento para com o seu território, renovando a sua auto-estima e a efetiva condição de serem cidadãos.

Ficha Técnica do Projeto Arquitetura no Bairro

Trabalho de extensão do Curso de Arquitetura e Urbanismo do Unipê – 2006.2
Amélia Panet - Coordenadora do curso de Arquitetura e Urbanismo
Patrícia Alonso - Coordenadora adjunta
Marco Suassuna - Professor coordenador do projeto
Sônia Matos - Professora
Alunos
Anderson Monterio
Caio Leite (maquete eletrônica)
Joseane Menezes
Lígia Gomes
Marcelo Medeiros
Sandra Albuquerque

Área do Terreno 1.173 m²
Área construção das USF´s 262,64 m²
Área construção da ONG 258,94 m²

Marco Suassuna – Arquiteto, Urbanista e Docente do Curso de Arquitetura e Urbanismo do Centro Universitário de João Pessoa – UNIPÊ.

Um comentário:

  1. marcos....eu acho que você deveria ter incorporado elementos do contexto no projeto....apesar de ser bem resolvida essa arquitetura " agride" a simploriedade dos moradores...é uma estética refinada....só um toque: vc já observou os mosaicos existentes em algumas habitações dali? todavia, parabéns pela iniciativa.

    isnardbarroso@bol.com.br

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