terça-feira, 8 de abril de 2008

CONCURSOS DE ARQUITETURA: EXPLORAÇÃO OU OPORTUNIDADE DE CRESCIMENTO?

Edson Mahfuz
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Atribui-se a Winston Churchill a afirmação de que, embora a democracia esteja longe da perfeição, ainda é a melhor forma de governo de que dispomos. Algo análogo poderia ser dito dos concursos de arquitetura: mesmo sendo imperfeitos, são o melhor modo de se escolher projetos e arquitetos para trabalhos originados do poder público, e também para muitos na área privada.
Sei que essa afirmação não encontrará unanimidade, nem mesmo entre arquitetos. No entanto, os concursos tem sido usados histórica e universalmente para a escolha de projetos, ou de arquitetos aos quais serão adjudicados projetos considerados de importância.
Poucos aprovariam a realização de concursos para a construção de uma residência ou de algum outro programa privado de pequeno porte. O instrumento do concurso ganha relevância à medida em que cresce a dificuldade e importância do encargo, seja o seu promotor público ou privado. Na Europa há tantos concursos que chega a haver revistas especializadas no assunto, servindo para a divulgação do concurso e publicação dos projetos vencedores. Certos arquitetos de renome internacional construiram suas carreiras quase exclusivamente por meio de projetos vencedores de concursos, ou até mesmo a partir de trabalhos apenas premiados.
Contudo, para muitos arquitetos, os concursos não deveriam existir. Alegam que são um desperdício de tempo e energia, que configuram trabalho gratuito realizado por dezenas e até centenas de pessoas em cada concurso.
A reclamação soa estranha, pois ninguém é obrigado a participar de um concurso. O argumento perde ainda mais força quando nos damos conta de que muitos dos que acusam os concursos de serem uma exploração estão prontos a realizar dezenas de estudos a risco, dos quais uma pequena percentagem acaba virando projeto, e a preços vis. Essa prática, no início voluntária, acabou institucionalizada a tal ponto que quem quiser entrar no mercado da construção comercial não pode deixar de realizar muitos trabalhos sem qualquer remuneração. Pelo menos nos concursos as motivações são sempre mais nobres, e o pagamento aos vencedores em geral corresponde à tabela de honorários do IAB.
É claro que nem tudo é perfeito; nem mesmo um partidário declarado e participante contumaz de concursos como eu pode fechar os olhos para os problemas que ainda enfrentamos. Uma das principais queixas é a de que poucos projetos vencedores de concursos brasileiros acabam sendo construídos, o que é verdade. Muitas autoridades usam os concursos como veículo de promoção, sem pretenderem construí-los. Outros organizam concursos em fim de mandato, sem alocar recursos para a construção da obra resultante deles, o que faz com que a administração seguinte os abandone.
Há também problemas relacionados com a própria mecânica dos concursos. Por exemplo, às vêzes as regras mudam no meio do caminho, quando já temos uma proposta em desenvolvimento adiantado, deixando os participantes sem saber o que fazer – continuar ou recomeçar (caso do concurso para o Museu do Telefone, RJ, 2002).
Incrivelmente, nem sempre o júri atende ao regulamento do próprio concurso, premiando trabalhos que vão contra o que constava no edital e nas suas bases. O resultado disso é a eterna insegurança dos participantes, que não podem saber se a rebeldia criativa será premiada com uma classificação entre os primeiros lugares ou com uma desclassificação sumária.
Alguns concursos exigem demasiado detalhamento, configurando-se como "de anteprojeto" e exigindo orçamentos e detalhamentos. Isso só tem cabimento se houver algum pagamento aos concorrentes. O ideal seria que todos fossem "de idéias". Em casos de especial complexidade e importância, poderá haver uma segunda fase, mais detalhada e remunerada.
No entanto, não devemos confundir problemas periféricos aos concursos, ou mesmo dificuldades na sua condução, com o instrumento em sí, o qual é idôneo e extremamente importante. Vejamos algumas das suas qualidades.
Um concurso proporciona ao seu promotor uma chance muito maior de encontrar a melhor solução para a sua necessidade, pelo fato puro e simples de poder escolher entre várias alternativas, incluindo muitas nunca antes imaginadas por ele.1 Concursos põem em contato promotores e arquitetos que, de outro modo nunca se conheceriam. Muitas vêzes o objeto do concurso é um meio para escolher um arquiteto o qual, em contato direto com o cliente, poderá então projetar a obra que deu origem ao certame. Outro papel importantíssimo cumprido pelos concursos é o de possibilitar o acesso de profissionais jovens ao mercado de trabalho (o caso recente dos vencedores do concurso para o Museu de Arte Latinoamericana, em Buenos Aires, é bom exemplo disso). Se não fosse pelo concurso aqueles jovens jamais receberiam o encargo.
Além dessas vantagens, há duas que para mim são fundamentais. A primeira é que os concursos oferecem oportunidades iguais para todos. A escolha dos vencedores se baseia exclusivamente no mérito das suas propostas. Por mais que as decisões dos júris possam eventualmente nos desagradar (e o fazem, com frequência), sabemos que os jurados escolheram os vencedores porque acreditaram que tinham as melhores propostas do ponto de vista técnico e cultural.
Talvez muito da rejeição que sofrem os concursos se deva ao modo impessoal de adjudicação de trabalho que os concursos implicam; para figurar entre os vencedores, só conta a capacidade de realizar projetos consistentes e pertinentes. Nos concursos, não há charme pessoal que conquiste o trabalho; ter bons contatos e participar de confrarias e clubes de serviço não ajuda em nada, assim como tudo o que se gastou em marketing e na obtenção da ISO 9000 não terá qualquer efeito...
Mas ainda há outra característica muito positiva dos concursos: o seu papel no desenvolvimento da profissão como um todo e na trajetória individual de muitos de nós. Quanto ao primeiro aspecto, basta lembrar como alguns concursos serviram de ponto de inflexão na arquitetura da segunda metade do século XX. No exterior, imediatamente vem à mente concursos como o da Opera de Sidney; os do Centro Pompidou, La Villete e La Defense, em Paris; a ampliação do Museu do Prado, em Madri; o Forum de Tokyo, etc. No Brasil, o de Brasília, até hoje estudado; os concursos realizados pelo SESC; o do Pavilhão Brasileiro em Sevilha, etc, etc. Cada concurso representa, se soubermos lê-lo, um corte que traduz o pensamento contemporâneo nacional ou regional, para o bem ou para o mal. Basta visitar as exposições que os IABs realizam depois dos concursos para se comprovar o que afirmo. Pena que raramente os concursos brasileiros resultem em publicações, como é comum em outros centros. Se ganharia muito com isso.
O outro aspecto tem a ver com o crescimento pessoal de cada um que participa ativamente de um concurso. Como os temas de concurso não costumam ser corriqueiros, somos obrigados a pesquisar para oferecer soluções a problemas incomuns no nosso cotidiano profissional. Isso, para todo aquele que não pratica a arquitetura como um negócio, resulta em maior capacitação para enfrentar o dia a dia do escritório. O que equivale dizer que, mais do que trabalho de graça, o tempo dedicado aos concursos é de investigação, reciclagem, crescimento profissional.
Portanto, vida longa aos concursos!
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