domingo, 28 de fevereiro de 2010

Fabiano Melo e Marcus Vinicius

Conjunto de Casas Itararé






















Plantas






Corte longitudinal






Detalhe escada






Detalhe escada


Fachada Norte






Fachada leste


Fachada oeste




Memorial


Estilo reto, estilo caixa, estilo americano, estilo moderno ou, o mais usual, estilo com o telhado escondido. Todas essas adjetivações não anunciam nenhuma arquitetura de vanguarda, nem tampouco alguma novidade em âmbito local. Apenas rotulam uma arquitetura de exceção em meio a um mar de chalés suíços. O olhar de estranhamento das pessoas, de rejeição em um primeiro momento, fez-nos sentir como um daqueles arquitetos modernizantes das primeiras décadas do século XX, quando as mais recentes técnicas construtivas, as novas formas de organização espacial e suas repercussões estéticas muitas vezes eram associadas a elementos de maior assimilação pelos mais conservadores. Compreendemos, na prática, o porquê das transformações na arquitetura acontecerem de forma tão lenta e gradual. Por maior que seja o apelo comercial da modernização, e o seu papel de símbolo de status, é difícil romper com hábitos de morar, e com idealização acerca desse espaço, tão arraigados. Afinal de contas, nem todos estão preparados, ou querem, morar numa casa de poucas paredes, com ambientes integrados, sem ornamentos e com o telhado escondido.

Propor uma arquitetura que tentasse alargar o diálogo com os condicionantes locais não foi tarefa das mais fáceis em uma cidade cujo mercado imobiliário não se cansa de promover e celebrar o castelinho (ou o chalé) como o modelo de residência ideal. Aqui e acolá, chaminés pululam na paisagem urbana campinense. Casas modernistas, signos de prosperidade em épocas passadas, não raro ganham incoerentes telhados inclinados. Em bairros periféricos, habitações modestas se esforçam para sustentar suas esperanças de neve. A tarefa se torna ainda mais difícil quando os arquitetos são os próprios construtores, e isso nos obriga a pensar em resultados comerciais. Como não abriríamos mão de algumas congruências arquitetônicas, decidimos apostar nas suas características de “exceção” até como uma saída de mercado. Em um cenário uniforme, seus elementos destoantes poderiam abrir caminho para uma demanda estética e espacial pouco explorada.

O programa consistia em projetar quatro residências duplex (casas geminadas com térreo e primeiro pavimento, também conhecidas como sobrados em outros lugares) em um terreno de 22m de frente por 30m de fundos, com testada para poente. Esse tipo de habitação tem boa aceitação em Campina Grande, que só há pouco tempo experimenta maior incremento na construção e venda de apartamentos. A não ser nos condomínios horizontais fechados, os recentes altos preços dos lotes têm desestimulado a edificação de residências isoladas na cidade. Por isso, a execução de sobrados tem sido uma saída para viabilizar economicamente uma opção fora do eixo dos condomínios horizontais e verticais, já que seu arranjo gregário permite que mais unidades sejam construídas por testada, diminuindo o custo da operação.

Aproveitar o terreno da melhor forma possível, tirar proveito dos condicionantes naturais do sítio (iluminação, ventilação, visuais), respeitar a contraditória legislação municipal, trabalhar com um orçamento dentro dos índices de mercado e lidar com os componentes construtivos da região e com uma mão-de-obra artesanal limitada determinaram muitos dos contornos do nosso partido projetual. Juntam-se a isso as nossas experiências teóricas e práticas e um repertório recém formado nos bancos da faculdade e nos anos de trabalho nos escritórios de arquitetura de João Pessoa. Entender arquitetura como construção (materialização), e não apenas como projeto (abstração), tratada do macro ao micro com o mesmo rigor, foi uma lição aprendida nesse período de formação, embora nem sempre possível de ser realizada.

Uma das primeiras diretrizes estabelecidas foi a de dar às unidades o aspecto de conjunto, de continuidade arquitetônica, em contraposição à fragmentária individualização da maioria dos sobrados do entorno. O intuito era fazer com que o observador tivesse a leitura de um só edifício, só rompida pela divisão dos acessos e das garagens no térreo, tal como fez Vilanova Artigas em seu projeto para o Conjunto de 4 Casas Jaime Porchat Queiroz Mattoso (1944), na cidade de São Paulo. Queríamos que a arquitetura se tornasse lugar comum para os moradores, que se transformasse em instrumento de identificação coletiva, assim como acontece com os edifícios de apartamento. A repetição dos elementos arquitetônicos (varandas, portas, janelas, marquises, pilares, muros, portões) se encarregaria de denunciar a característica multifamiliar da proposta. Nesse mesmo sentido, outra diretriz tomada foi a de não embarcar e alimentar patológicos excessos de privacidade e falsa segurança, com a separação completa das unidades por meio de muros altos, largas empenas laterais e portões opacos. Desejávamos conferir permeabilidade visual entre as casas, estimulando o contato entre vizinhos e com a via pública.

A predominância de ventilação sudeste e a orientação oeste-leste (frente-fundo) do lote determinaram o arranjo espacial. A localização frontal do abrigo para automóveis, além da óbvia ligação com a rua, difícil de ser diferente nesse tipo de organização gregária, também teve como objetivo criar uma área de transição térmica entre exterior e interior no período da tarde, protegendo as alas sociais da incidência solar direta. Já o pavimento superior exigiu solução diferente. Como as possibilidades de abertura para o exterior geralmente são limitadas em habitações geminadas, a face oeste não poderia ser desprezada na sua estrutura organizacional. Marquises de concreto aparente, brises de madeira e árvores na calçada foram alguns dos recursos utilizados para minimizar os efeitos do sol nos ambientes para a poente. Outro caminho foi proporcionar ventilação cruzada permanente por toda casa. O uso de pé-direito duplo nas zonas sociais, diferenças de nível entre lajes para viabilizar aberturas zenitais e o desenho flexível das esquadrias agiram nesse sentido. Tais recursos também permitiram a exploração da iluminação natural em todos os compartimentos. A necessidade de luz artificial só se faz sentir ao final do dia.

A decisão por um sistema estrutural independente das alvenarias de vedação (vigas e pilares de concreto armado) almejava maior flexibilidade dos espaços, não forçando a comum subordinação entre as plantas do térreo e do primeiro pavimento, como é normal acontecer nesse tipo de construção. A estratégia permitiu que os ambientes sociais formassem um continuum espacial, em contato direto com as circulações do andar superior e com o quintal. As transições são sentidas pelas mudanças de luz, níveis, pé-direito e texturas dos acabamentos. O sol da tarde na parte frontal e a inospitalidade da rua nos levou a valorizar as paisagens artificiais a serem criadas pelos moradores no fundo do lote. O arranjo compacto do edifício produziu uma taxa de ocupação de 48%, liberando considerável porção do terreno para esse fim. A opção dos compradores por jardins, em substituição à piscina prevista no projeto, potencializou as áreas permeáveis.

As decisões de como deveriam ser os cortes das pedras, o assentamento dos revestimentos, as angulações dos peitoris, o local exato da fixação e dos parafusos da escada foram imprescindíveis para a definição técnica do objeto arquitetônico, e para a sua percepção também. Porém, o confronto com um processo produtivo artesanal, e limitado, típico de um país que usa a construção civil como válvula de escape para uma legião de pessoas com poucas oportunidades de qualificação profissional, fez do projeto um conjunto de idéias em constante metamorfose, sempre disponível a negociar com um saber fazer de práticas viciadas. As concessões foram na medida do possível.










FICHA TÉCNICA:


Projeto arquitetônico: Vilanova Arquitetura – Fabiano Melo / Marcus Vinicius
Área do terreno: 660m² / Área construída: 550m² / Taxa de ocupação: 48%
Projeto estrutural: Eng. Rômulo Polari Filho
Execução: Vilanova Arquitetura
Maquete eletrônica: Cubo 3 Design
Colaboradores: Emanuel Sávio, Domício
Esquadrias de madeira: Suelle Móveis
Serralharia: ALMEC
Fotografias: Adriano Franco
Endereço: Rua Severino Fernandes de Oliveira, Nos. 391 e 397, Itararé, Campina Grande-PB

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