sexta-feira, 11 de maio de 2007

Mário Glauco Di Lascio

Residência Cavalcanti de Albuquerque (1)















Histórico do imóvel


O imóvel em estudo é um exemplar clássico da arquitetura moderna nos seus mínimos detalhes e foi projetado pelo arquiteto paraibano Mário Glauco Di Lascio, na década de 60, para os recém-casados João Cavalcanti e Regina Helena de Melo, que viria a ser cunhada do arquiteto.
Como presente de casamento o pai do noivo o presenteou com um terreno, cujo qual foi construído o imóvel. Logo após receber o presente, o casal foi até o arquiteto, que na época era namorado da irmã da noiva, para solicitar o projeto da residência. Ao chegar ao escritório de Mário, o casal já tinha em mente uma idéia primária da casa, pedindo ao arquiteto uma casa prática, fácil de limpar, funcional, sem espaços inúteis, ventilada, iluminada, e principalmente D. Regina não queria uma dessas casas “tortas”. Mário escutando e concordando com as solicitações dos clientes, apenas solicitou uma: “eu faço o projeto como vocês querem, agora me prometam que não vão modificar a casa no decorrer dos anos, e se for feito, vocês me consultaram”.
Então a partir daí, Mário Di Lascio, com o auxilio do jovem engenheiro Guilherme da Cunha Pedrosa, deu início ao projeto da residência, que queria que fosse uma proposta revolucionária para a época, com um programa de necessidades que atendesse aos pedidos do casal. Em entrevista ao arquiteto ele nos relatou que um dos pontos mais importantes nesse projeto é a ruptura da área intima da residência com a área social, já que na maioria das casas da época os cômodos davam para a sala. Ele nos diz ainda que um pedido da sua cunhada fosse que a residência estivesse isolada das dependências dos funcionários, e assim foi feito criando um bloco de serviço e dormitórios na parte posterior da residência.
Outro ponto importante na concepção projetual do arquiteto, foi à preocupação formal da casa, e para isso ele resolveu tomar como partido uma forma simples (trapezoidal), com coberta em uma água e o pavimento superior sustentado por pilotis. Como ele queria uma proposta inovadora pra a região, pensou que se colocasse apenas pilares ortogonais, talvez a idéia plástica que transmitiria não fosse a desejada, então com muitos estudos de forma e comportamento estrutural, chegou a solução de utilizar uma estrutura em V com um pequeno balanço que daria uma leveza maior ao seu projeto.
A residência foi um dos primeiros exemplares da arquitetura moderna na Paraíba, causando muita curiosidade nos pedestres que circulavam pelo local na época da construção, que durou cerca de três anos, sob a inspeção do arquiteto que chegou até a colocar a mão na massa e executar algumas partes da estrutura e também para derrubar alguns elementos construtivos que dizia que não estava de boa qualidade, esse era um hábito comum naquela época, quando o próprio Mário diz: “o maior laboratório de arquitetura e construção é a obra, é lá que você sabe se o projeto ta bom ou não”.


O arquiteto Mário Glauco Di Lascio




Filho de Hermenegildo Di Lascio, construtor civil que fez nome na capital paraibana no início do século XX, quando veio trabalhar em João Pessoa a convite de um amigo que falava a respeito da escassez de mão-de-obra na construção no nordeste brasileiro. Então em 1929 nasce Mário Glauco Di Lascio, que sob forte influência de seu pai foi estudar arquitetura na capital paulista no ano de 1957 e pouco antes da metade do curso, com a doença de seu pai, Mário teve que voltar a João Pessoa para ajudá-lo com a construtora e uma loja de ferragens da família. Como em João Pessoa não tinha curso de arquitetura na época Mário tentou transferência para o curso de arquitetura da Escola de Belas Artes de Recife, mas não obteve sucesso.
Assim Mário Di Lascio teve que prestar novo vestibular para ingressar no curso na capital pernambucana, lá ele aguçou seu tato para arquitetura, já que em São Paulo teve um ensino mais voltado à engenharia, e viria em Recife a parte artística da profissão fazendo com que ele ampliasse seu leque de conhecimento, facilitando sua concepção projetual e consequentemente o uso de elementos estruturais como parte formal da arquitetura. Como parte de sua formação Mário freqüentou marcenarias, serralharias, canteiros de obras e laboratórios de propriedades dos materiais.
Como arquiteto Mário Di Lascio atua na Paraíba desde 1957, ano em que teve que deixar para trás uma viajem de especialização na Alemanha, por causa da morte de seu pai. Mas esse triste acontecimento não apagou o brilho do jovem arquiteto que viria a fazer sucesso em João Pessoa, com sua arquitetura de formas simples e funcionais, com elementos construtivos inovadores que atendiam e atendem até os dias atuais as necessidades dos usuários de suas obras. Sempre projetando com responsabilidade e pensando no conforto de seus clientes, Mário se utiliza de artifícios da arquitetura tropical para da um toque personalizado a arquitetura moderna produzida então no resto do Brasil.
Di Lascio participou da fundação dos cursos de Engenharia e Arquitetura da Universidade federal da Paraíba, do Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura da Paraíba, do Instituto Histórico e Artístico Nacional – Regional Paraíba além desses serviços Mário atua com seu escritório desde o ano de sua formação, projetando e construindo obras que ainda hoje são referencias de um período histórico da arquitetura nacional. É valioso ressaltar a importância dessas obras que possuem influências claras da Escola de Belas Artes de Recife, onde Mário conheceu Acácio Gil Borsoi, Delfim Amorim, Lúcio Costa, Oscar Niemeyer, Roberto Burle Marx, entre outros ícones da arquitetura moderna no Brasil.
Na atualidade Mário Glauco Di Lascio atua em seu escritório, projetando, orientando trabalhos de graduação, dando entrevistas sobre suas obras e sobre arquitetura de maneira geral, sempre defendendo que a leitura é fonte de conhecimento e deve ser buscada, a fim de se inteirar das novas tecnologias e técnicas construtivas, das novas formas de pensar arquitetura, de construir espaços e também para obter embasamento histórico, que é fundamental para repensar espaços, analisando os dogmas, os estilos de vida das pessoas ao longo do tempo, enfim, todo o vasto conhecimento que a leitura nos traz.


Movimento moderno no Brasil

Não diferente de outros países do mundo, o estilo chegou entre nós graças à migração, visitantes europeus, retorno de brasileiros que estudaram na Europa e, principalmente, ao entusiasmo pelo novo estilo por parte das gerações mais jovens de arquitetos. Algumas enormes diferenças assinalam, contudo, o nosso modernismo: a boa condição econômica do Brasil, o desejo de o governo buscar uma nova face para a capital federal e uma brilhante geração de intelectuais e arquitetos, com penetração nas brechas do aparelho cultural do estado, transformou o estilo em uma nova linguagem inconfundivelmente brasileira e universal.
Os arquitetos modernistas derrotam os neocoloniais e acadêmicos no privilégio de definir as formas do Ministério da Educação e Saúde, o mais importante dos prédios estatais que alterariam a face do Rio de Janeiro, sob a coordenação de Lucio Costa foi montada uma equipe composta por Jorge Moreira, Affonso Eduardo Reidy, Carlos Leão, Ernani Vascocelos e Oscar Niemeyer, que na época era recém-formado, contando com a colaboração de Le Corbusier, quando o mesmo veio em visita ao Brasil. Com esse projeto os modernistas se estabelecem com dominantes no campo arquitetônico através da vitória em mais dois pontos: o controle do patrimônio histórico e das teorias para produção de habitações populares nos centros urbanos.
O Serviço de Patrimônio criado pelos modernistas era responsável pela constituição de um “capital simbólico nacional” através da seleção e guarda das obras consideradas monumentos nacionais. Os “modernos” são considerados dignos pelo Estado de tornarem digna, em seu nome, a produção que sofrerá uma operação de sacralização através da inscrição nos Livros de Tombo e de uma legislação especial que impede o seu desaparecimento ou descaracterização.
Não se pode falar de arquitetura moderna brasileira, sem citar um dos grandes gênios desse período, o arquiteto Oscar Niemeyer, que ao lado Lucio Costa e de vários outros profissionais concebeu a mais importante obra moderna nacional – Brasília. Niemeyer é considerado responsável pela criação de uma linguagem própria que fornecia novas opções ao esgotamento que alcançaria várias décadas após, o racional-funcionalismo. Diferente da arquitetura de outros países latino-americanos que, de alguma forma se aproximavam do ideal gropiusiano de uma arquitetura anônima e impessoal, o Brasil era, então, nas palavras de Hitchcock Junior, “o centro de atividades do mais intenso talento individual da arquitetura, Oscar Niemeyer”.
Além de Oscar Niemeyer, atuou no Brasil uma brilhante geração de arquitetos com luz própria e linguagens particulares que contribuíram de forma especial para o registro arquitetônico de um estilo nacional, tais como Lucio Costa, Acácio Gil Borsoi, Luis Carlos Nunes, Sergio Bernardes entre outros.
Na capital paraibana o modernismo só vem se enquadrar como estilo vigente de arquitetura a partir da década de 50, com a renovação e ampliação do quadro de arquitetos e engenheiros, que regressaram a cidade após conclusão de seus cursos em outros estados do Brasil ou até mesmo na Europa, entre esses profissionais destacam-se Mário Di Lascio, Leonardo Stuckert Filho, Roberval Guimarães, e outros vindo de outros estados brasileiros para contribuir com a arquitetura modernista paraibana, tais como Acácio Gil Borsoi Sergio Bernardes e Roberto Burle Marx.
Em João Pessoa a Arquitetura Moderna recebia forte influência dos arquitetos atuantes em Recife e utilizava todas as adaptações climáticas e recursos tecnológicos inclusive o uso de cobogós e brises como elementos compositivos da volumetria.


Caracterísiticas arquitetônicas do imóvel

Com uma forma pura de linhas retas, Mário Di Lascio procurou atender todas as exigências do casal, que pediriam uma casa simples e, sobretudo funcional. Para a resolução do programa o arquiteto concebeu a residência, em dois níveis, onde no primeiro se concentra a área social, de lazer e de serviço e no segundo se encontra a parte intima de descanso.
No térreo, logo no inicio da casa, percebe-se um grande gramado, que já foi palco de um belo jardim, mas por motivos de praticidade e manutenção os proprietários decidiram elimina-lo, passando desse gramado indo a direção ao terraço vê-se o marco principal do imóvel, a coluna em V, que da um toque de leveza a fachada Sul. Do terraço já se vê o interior da casa, isso se dá, pela presença de esquadrias de madeira e vidro com portas sanfonadas que abertas deixam todo o vão da esquadria livre possibilitando uma ventilação cruzada leste oeste, que torna a casa agradável em todos os horários do dia.
Adentrando na residência logo se percebe a ausência de alvenarias de vedação entre ambientes, um dos pontos característicos do movimento moderno, na parte frontal encontra-se a sala de estar que esta interligada com a garagem, solução que revolucionou a arquitetura da época, e separada pela rampa de acesso ao primeiro pavimento está a sala de jantar e logo após a cozinha e banheiro, e toda a área de serviço.
No primeiro pavimento está concentrado os três quartos e um gabinete, anexado ao quarto do casal, todos estes com banheiro próprio. O que se percebe no andar térreo no que se diz respeito as paredes de vedação, se repete no andar superior, quando os quartos são separados da circulação apenas por armários que formam um painel para a circulação com vista de todo o andar térreo, que originalmente era de madeira de lei Jacarandá e, infelizmente teve que ser retirado. No gabinete percebe-se uma esquadria que, segundo Di Lascio: “tive que consultar dois livros de Le Corbusier e utilizar os cálculos matemáticos de proporção proposto por este, para desenhar esta esquadria e obter uma qualidade plástica satisfatória”.
Em toda parede oeste da casa percebe-se na parte superior da mesma, elementos vazados, que foram projetados e confeccionados pelo próprio arquiteto, utilizando uma mesa vibratória para da mais resistência aos elementos. Esses elementos foram desenhados de forma a não permitir a entrada da chuva no interior da casa e sim a passagem do vento, melhorando a ventilação.
A coberta da residência foi construída de forma dupla, ou seja, uma laje apoiada em vigas invertidas que logo acima dessa foram colocados lajotas de vedação, formando “caixas” ocas que foram preenchidas com pó de carvão e por ai passam toda a tubulação de água e energia da residência, além disso, esse sistema permiti um isolamento térmico e acústico.
No que se diz respeito à estrutura, essa foi pensada de maneira muito cuidadosa. Já que se tinha grandes vãos a vencer, sem dúvida o ponto mais interessante da residência, estruturalmente falando é o “pilar” em V, que nada mais é que um arco invertido com um único apoio. Para a execução desse elemento estrutural, foi necessária a paralisação de todos os funcionários que passaram o dia e a noite fiscalizando seu comportamento para que tudo ocorresse como planejado. Ligando as duas extremidades superiores desse arco tem uma viga atirantada que não permite que esse arco se abra, e a partir dessa viga sai outra que percorre todo o perímetro da casa.
Como elemento de circulação vertical foi empregado o suo de uma rampa que liga o térreo a primeiro pavimento, vencendo um vão de sete metros. Essa distancia levou ao arquiteto o desafio de propor uma estrutura mais leve possível, e este chegou a solução de fazer uma estrutura de viga mais grossa na parte central e ira afinando até as extremidades. Solução essa também empregada na circulação do primeiro pavimento, que apóia uma das extremidades da rampa. Um ponto que vale a pena ressaltar é o fato de que a rampa esta bem próxima ao pilar central da casa, mas se parar pra perceber esta não encosta no pilar e este não tem nenhuma ligação estrutural com a rampa.
Uma característica dessa residência é sua amplitude de visão, onde você da circulação do andar superior vê toda a área social da casa, já que esta tem pé direito duplo. É interessante também como o arquiteto resolveu a parte dos revestimentos, dando a cada ambiente um material diferente, percebendo o uso abundante de cerâmicas e pedras, tendo como pintura na cor branca algumas paredes, que se justifica pelo fato de que a proprietária queria praticidade e seria mais rápido e fácil pintar a casa de uma só cor ao invés de várias.
Para atender a um pedido do proprietário que não queria a falta d água em sua casa, Mário projetou um reservatório que tem dimensões muito maiores que necessitaria ter, garantindo assim um consumo diário sem a preocupação com o abastecimento publico de água.

Notas

1 Este texto foi redigido a partir dos resultados de uma pesquisa realizada pelos alunos do Curso de Arquitetura e Urbanismo/UNIPÊ, Brunno César Medeiros Porto e Monalisa de Souza Felinto, para a disciplina Restauração e Revitalização I, de 2007, sob a coordenação da Profa. Germana Terceiro Neto Parente Miranda..


Referências

AGUIAR, Wellington, OCTÁVIO, José. Uma cidade de quatro séculos: evolução e roteiro. João Pessoa: Grafset, 1985. 279p.

CAVALCANTI, Lauro. Quando o Brasil era moderno: guia de arquitetura 1928-1960. Rio de Janeiro: Aeroplan, 2001. 486p.

COLIN, Silvio. Uma introdução à arquitetura. Rio de Janeiro: UAPÊ, 2000. 196p.

MOURA, Fernando (org.). Cidade de João Pessoa: álbum de memória. João Pessoa: Moura Ramos, 2006. 104p.

RODRIGUEZ, Walfredo. Roteiro Sentimental de uma cidade. João Pessoa: A União, 1994. 280p.

SEGAWA, Hugo. Arquitetura no Brasil 1900-1990. São Paulo: EDUSP, 1997. 224p.

STUCKERT FILHO, Gilberto Lyra. Paraíba: capital em fotos, João Pessoa: F & A, 2004. 195p.

TINEM, Nelci (org.). Fronteiras marcos e sinais: leitura das ruas de João Pessoa. João Pessoa: UFPB, 2006. 304p.

Fotos
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Brunno Porto e Monalisa Felinto

Um comentário:

  1. Eu acho essa casa muito bonita, e o curioso é que ela ainda permanece da mesma forma, há mais de 40 anos, com sua grades e seu gramado.

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