A Guerra do Rio? A farsa e a geopolítica do crime
José Cláudio Souza Alves* 25/11/2010
Nós que sabemos que o inimigo é outro?, na expressão padilhesca, não podemos acreditar na farsa que a mídia e a estrutura de poder dominante no Rio querem nos empurrar. Achar que as várias operações criminosas que vem se abatendo sobre a Região Metropolitana nos últimos dias, fazem parte de uma guerra entre o bem, representado pelas forças publicas de segurança, e o mal, personificado pelos traficantes, é ignorar que nem mesmo a ficção do Tropa de Elite 2 consegue sustentar tal versão.
O processo de reconfiguração da geopolítica do crime no Rio de Janeiro vem ocorrendo nos últimos 5 anos. De um lado Milícias, aliadas a uma das facções criminosas, do outro a facção criminosa que agora reage à perda da hegemonia.Exemplifico. Em Vigário Geral a polícia sempre atuou matando membros de uma facção criminosa e, assim, favorecendo a invasão da facção rival de Parada de Lucas. Há 4 anos, o mesmo processo se deu. Unificadas, as duas favelas se pacificaram pela ausência de disputas. Posteriormente, o líder da facção hegemÿnica foi assassinado pela Milícia. Hoje, a Milícia aluga as duas favelas para a facção criminosa hegemÿnica. Processos semelhantes a estes foram ocorrendo em várias favelas.
Sabemos que as milícias não interromperam o tráfico de drogas, apenas o incluíram na listas dos seus negócios juntamente com gato net, transporte clandestino, distribuição de terras, venda de bujões de gás, venda de voto e venda de ?segurança?.Sabemos igualmente que as UPPs não terminaram com o tráfico e sim com os conflitos. O tráfico passa a ser operado por outros grupos: milicianos, facção hegemÿnica ou mesmo a facção que agora tenta impedir sua derrocada, dependendo dos acordos. Estes acordos passam por miríades de variáveis: grupos políticos hegemÿnicos na comunidade, acordos com associações de moradores, voto, montante de dinheiro destinado ao aparado que ocupa militarmente, etc. Assim, ao invés de imitarmos a população estadunidense que deu apoio às tropas que invadiram o Iraque contra o inimigo Sadan Husein, e depois, viu a farsa da inexistência de nenhum dos motivos que levaram Bush a fazer tal atrocidade, devemos nos perguntar: qual é a verdadeira guerra que está ocorrendo? Ela é simplesmente uma guerra pela hegemonia no cenário geopolítico do crime na Região Metropolitana do Rio de Janeiro.
As ações ocorrem no eixo ferroviário Central do Brasil e Leopoldina, expressão da compressão de uma das facções criminosas para fora da Zona Sul, que vem sendo saneada, ao menos na imagem, para as Olimpíadas. Justificar massacres, como o de 2007, nas vésperas dos Jogos Pan Americanos, no complexo do Alemão, no qual ficou comprovada, pelo laudo da equipe da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República, a existência de várias execuções sumárias é apenas uma cortina de fumaça que nos faz sustentar uma guerra ao terror em nome de um terror maior ainda, porque oculto e hegemônico. Ônibus e carros queimados, com pouquíssimas vítimas, são expressões simbólicas do desagrado da facção que perde sua hegemonia buscando um novo acordo, que permita sua sobrevivência, afinal, eles não querem destruir a relação com o mercado que o sustenta.
A farsa da operação de guerra e seus inevitáveis mortos, muitos dos quais sem qualquer envolvimento com os blocos que disputam a hegemonia do crime no tabuleiro geopolítico do Grande Rio, serve apenas para nos fazer acreditar que ausência de conflitos é igual à paz e ausência de crime, sem perceber que a hegemonização do crime pela aliança de grupos criminosos, muitos diretamente envolvidos com o aparato policial, como a CPI das Milícias provou, perpetua nossa eterna desgraça: a de acreditar que o mal são os outros. Deixamos de fazer assim as velhas e relevantes perguntas: qual é a atual política de segurança do Rio de Janeiro que convive com milicianos, facções criminosas hegemÿnicas e área pacificadas que permanecem operando o crime? Quem são os nomes por trás de toda esta cortina de fumaça, que faturam alto com bilhões gerados pelo tráfico, roubo, outras formas de crime, controles milicianos de áreas, venda de votos e pacificações para as Olimpíadas? Quem está por trás da produção midiática, suportando as tropas da execução sumária de pobres em favelas distantes da Zona Sul?
Até quando seremos tratados como estadunidenses suportando a tropa do bem na farsa de uma guerra, na qual já estamos há tanto tempo, que nos esquecemos que sua única finalidade é a hegemonia do mercado do crime no Rio de Janeiro? Mas não se preocupem, quando restar o Iraque arrasado sempre surgirá o mercado financeiro, as empreiteiras e os grupos imobiliários a vender condomínios seguros nos Portos Maravilha da cidade. Sempre sobrará a massa arrebanhada pela lógica da guerra ao terror, reduzida a baixos níveis de escolaridade e de renda que, somadas à classe média em desespero, elegerão seus algozes e o aplaudirão no desfile de 7 de setembro, quando o caveirão e o Bope passarem.
* José Cláudio Souza Alves e sociólogo, Pró-reitor de Extensão da UFRRJ e autor do livro: Dos Barões ao Extermínio: Uma História da Violência na Baixada Fluminense.
Fonte: http://www.ufrrj.br/portal/modulo/home/noticia.php?noticia=1864
Foto José Cláudio: http://www.renajorp.net/2006/08-baroes.html
Foto polícia federal: Foto: Thamine Leta / G1
Fonte: http://www.ufrrj.br/portal/modulo/home/noticia.php?noticia=1864
Foto José Cláudio: http://www.renajorp.net/2006/08-baroes.html
Foto polícia federal: Foto: Thamine Leta / G1
É muito simples julgarmos a violência do RJ sem analisarmos de fato que é o mal e quem é o bem. Esse artigo nos convida a refletir mais a respeito da compostura dos políticos, da milícia que se configuram no personagem dos bonzinhos, assim como os estadunidenses que tentam a todo custo "promover" a paz. A reflexão é muito pertinente, sobretudo quando diz respeito à mídia, que é muito tendenciosa...
ResponderExcluirEu desejo que eles ( sulistas ) não façam uma inversão de êxodo rural, que fiquem na cidade "maravilhosa" sem espalhar esse mar de violência para o NE.
Andressa Fabião
A reflexão é muito pertinente, sobretudo quando paramos para pensar quem de fato é o nosso verdadeiro inimigo... O fato das milícias quererem passar uma imagem super heroína, com a ajuda da mídia, faz-me refletir, até que ponto somos refém de uma bandidagem hegemonica que não confere segurança a seu ninguém. Espero que esse que não haja inversão de êxodo rural, que eles consigam solucionar o caos e deixem o NE livre desse conflito.
ResponderExcluirANdressa Fabião.
Andressa, a violência urbana é uma das maiores chagas da contemporaneidade. Infelizmente a imprensa brasileira não tem feito uma cobertura jornalística séria e profunda. O que tem ocorrido é a espetacularização dos fatos com o objetivo explícito de se promover a alienação da sociedade e o endosso das chacinas nos morros cariocas. Sob o esterótipo de que "todo pobre é bandido"
ResponderExcluiro Estado faz uma incursão "cirúrgica" nos morros mas esquece que a "infecção é generalizada" e só poderá ser debelada quando os verdadeiros agentes "infecciosos" forem neutralizados.
Enquanto isso, na sala de um apartamento de luxo qualquer, outros atores sociais pagam pra livrar suas caras e gargalham enquanto o circo pega fogo. Afinal, no revolto mar da exclusão social sempre haverá outro cidadão desesperado por algum trocado para empunhar uma arma em nome do crime organizado.
"Felizes" somos nós das cidades de pequeno e médio porte que ainda não atingimos tal nível de violência e de complexidade urbana.
O momento é de reflexão e mobilização social para sensibilizarmos os nossos govermantes a enfrentar esse problema com dedicação, empenho e eficácia.
Aos amigos sulistas a nossa solidariedade. O nordeste, pela sua tradição, sempre estará de portas abertas para recebê-los e compartilhar esse pedaço de paraíso brasileiro, que, mesmo relativamente tranquilo, não está livre de desenvolver a mesma doença.
Concordo com vc! A violência é um câncer no coração da zona urbana. Enquanto esse tsunami não atinge o NE com a mesma intensidade, vamos aproveitar para usufruir do bem estar que ainda temos.
ResponderExcluirDiscordo que o NE deva estar de portas abertas, exceto no período de férias, (risos) pq é preciso solucionar o problema ao invés de migrá-lo para outros Estados.
Desirèe
O problema da violência é fundamentalmente de omissão e conivência política. A população em geral é que acaba sendo tragada, destroçada e dizimada pelo "sistema".
ResponderExcluirAos bandidos a cadeia. "Sigam-me os bons".