sábado, 10 de março de 2012

Castanhas tostadas

Como ficaria a marginal do rio Tietê se o verde retornasse?
Projeto de arquiteta da USP devolve aos rios as várzeas em suas margens
Thiago Medaglia


Pequim, Mumbai, Cidade do México, São Paulo. Nas metrópoles dos países em desenvolvimento, a urbanização roubou o espaço da paisagem natural. Áreas verdes e cursos d’água foram tomados pelo concreto.

É o caso da maior cidade brasileira, marcada pelo Tietê, um rio de extensas planícies aluviais, condição que potencializa enchentes ocasionadas pelas tempestades de verão. Impermeabilizada em trechos importantes de escoamento, como os fundos de vale, São Paulo fica a cada dia mais sujeita às cheias de seus rios e córregos.

Imagem: Vista de satélite de trecho da Marginal do rioTietê (SP).
Fonte: Google Earth

A arquiteta Pérola Felipette Brocaneli, doutora em paisagem e ambiente pela Universidadede São Paulo, está entre os pesquisadores que apostam em uma solução arrojada: devolver aos rios as várzeas em suas margens. “Não se trata apenas de criar parques ou áreas verdes, mas transformar a lógica estrutural de São Paulo, que deixará de ser viária e passará a ser ecológica”, diz.

Imagem: Vista área de trecho da Marginal do rio Tietê (SP)


Imagem: proposta de projeto ecológico para a marginal do rio Tietê, em São Paulo

Na prática, isso significaria desapropriar os edifícios e afastar as vias pavimentadas que hoje ladeiam o rio Tietê e seus principais afluentes (Pinheiros, Tamanduateí) – um plano ainda utópico,sobretudo quando se nota que, em 2010, canteiros foram derrubados para dar lugar a três novas faixasde asfalto. “Sei que tais possibilidades incomodam. Mas o que deveria ser mais inquietante são aspéssimas condições ambientais e os reflexos disso na qualidade de vida dos paulistanos”, diz Pérola.

Uma mudança total levaria décadas. O primeiro passo seria a constituição de um parque linear principal, capaz de atuar no amortecimento das chuvas críticas e ser o eixo de um sistema de refrigeração para o município, composto de áreas verdes e úmidas. Esses espaços seriam criados ao longo de rios e córregos que hoje estão inseridos nas porções denominadas pelo poder público de “operações urbanas”. “São áreas residuais, sujeitas a um zoneamento especial, voltadas para a reestruturação territorial de São Paulo”, diz Pérola.

Em vez de direcionar essas áreas de maneira integral para empreendimentos imobiliários, a ideia é destiná-las também à recuperação de antigas zonas úmidas.Uma das propostas é interligar por meio de um corredor ecológico no eixo noroeste-sudeste as serras da Cantareira e do Mar. A umidificação, o controle térmico e a regularização do ciclo hidrológico seriam favorecidos – ou seja, haveria uma regularização do calor e das chuvas acima do normal. Hoje, o vento frio vindo das partes altas não é capaz de refrigerar a cidade porque depara com uma bolha de ar aquecido e seco ao atingir aregião metropolitana – resultado do desmatamento e da impermeabilização das várzeas.

Na renascida São Paulo, a demanda pelos carros particulares tenderia a diminuir, já que as opções de serviço e de lazer estariam melhor distribuídas e o transporte público seria mais eficiente. “Além disso, atrações culturais e praças esportivas fariam parte das novas áreas verdes”, completa Pérola.“São Paulo precisa alterar sua noção de privado. Mais do que recuperar o ambiente, trata-se de criar redes de espaço público.”




Comentário
Oliveira Júnior

Enquanto a maior cidade brasileira tenta correr atrás do prejuízo no sentido de resgatar os ecossistemas dizimados das margens de um dos seus principais rios urbanos, na capital paraibana, a iniciativa privada e o poder público caminham na contra mão do desenvolvimento urbano pautado na sustentabilidade ambiental, tão cara para a qualidade de vida da nossa sociedade.

Um dos maiores empreendimentos privados de João Pessoa não se fez de rogado ao ampliar seu pátio de estacionamento sobre uma área pública situada na faixa mínima  de proteção ambiental da margem do rio Jaguaribe, o que provocou um dos mais acalorados debates sobre degradação ambiental na cidade, envolvendo o empreendimento, a sociedade organizada, os órgãos ambientais e o ministério público.

Imagem: estacionamento do Manaíra Shopping invadindo área de proteção ambiental do rio Jaguaribe

 Já o poder público, sob a égide do desenvolvimento (?) viário e turístico lançou na mesma área, o vale do rio Jaguaribe, um projeto de grande impacto ambiental: a Via Jaguaribe. Segundo o Portal Correio, "com extensão de 1,1 km, o projeto é constituído por duas pistas, canteiro central, calçadas laterais, ciclovias, iluminação ornamental e um viaduto sobre a Avenida Epitácio Pessoa" (...) "O objetivo maior da obra é de interesse turístico, proporcionando uma sensível melhora no acesso rodoviário da área litorânea da cidade, além de ser mais uma alternativa para desafogar o tráfego de veículos entre o Litoral Norte e Litoral Sul da cidade". 

Num primeiro momento a proposta acabou envolvendo interesses políticos partidários e criou um clima de hostilidade entre as esferas estadual e municipal. Na época do lançamento desse projeto a maior preocupação consistia em definir quem seriam os pais da "criança" em detrimento de se discutir a proposta com os atores sociais envolvidos no processo, tais como arquitetos, biólogos, geógrafos, engenheiros, sociólogos e a população em geral.

Pelas poucas imagens disponíveis para consulta percebe-se um foco concentrado no sistema viário, uma perigosa aproximação deste com a o vale do rio e uma total ausência de indicações de áreas verdes de lazer, ou no mínimo uma proposta pautada numa pesquisa sistemática e metodologia de desenho urbano confiável. 

Imagem: Ilustração da proposta para a Via Jaguaribe

Imagem: Ilustração da proposta para a Via Jaguaribe

O vale do rio Jaguaribe atravessa importantes bairros da cidade e tem um significativo interesse ambiental e enorme potencial paisagístico. Numa cidade carente de parques e espaços verdes públicos de lazer, esta área merece uma investigação projetual de alto nível que resgate a importância do rio como espaço de  integração social e lazer contemplativo.

Imagem: Vale do rio Jaguaribe ente os bairros de Miramar, Tambaú e Cabo Branco.

Imagem: Vale do rio Jaguaribe e bairro Cabo Branco ao fundo.

Imagem: Vale do rio Jaguaribe e os bairros de Tambaú e Cabo Branco ao fundo.

No mundo inteiro as grandes cidades estão revendo seus conceitos de desenvolvimento urbano. Se por um lado o adensamento populacional proporciona redução dos custos de infraestrutura e a ampliação das oportunidades sociais. Por outro lado a fragilidade do poder público perante a pressão da especulação imobiliária tem causado grandes estragos na malha urbana como a segregação sócio-espacial e a degeneração do meio ambiente.

Infelizmente há uma enorme disparidade entre o prazo para se aplicar os recursos governamentais disponíveis para determinadas obras de vulto nas cidades e o tempo necessário para se realizar um estudo sério de pesquisa, planejamento e projeto urbano.

Temos pela frente dois pontos fulcrais para refletirmos: ou a administração pública elabora um plano de desenvolvimento urbano de médio e longo prazos, com estudos profundos, levantamento de custos e propostas de desenho urbano de alto nível para áreas estratégicas das nossas  cidades, ou permaneceremos a mercê dos exíguos prazos determinados pelo governo federal para aplicar recursos em projetos relâmpagos frágeis e superficiais, pra não dizer pífios, que só beneficiam políticas partidárias em detrimento das legítimas necessidades da população.



Imagem: Renovação Urbana, em Seul, Coreia do Sul Enterrado sob uma estrada elevada durante décadas, o riacho Cheonggyecheon volta a correr a céu aberto pelo centro de Seul. Uma extensão de 5,8 quilômetros foi recuperada em 2005

Imagem: Zona verde, em Londres, Inglaterra A um mundo de distância das torres vizinhas do centro de Londres, os gramados do Greenwich Park são um refúgio aos moradores. Uma marca dos projetos urbanos favoráveis ao meio ambiente é fazer com que os amantes da natureza sejam atraídos para os espaços verdes dentro da cidade, e não para os subúrbios.


Num momento de grande efevercência eleitoral, fiquemos atentos aos discursos dos candidatos. Precisamos saber quem está sintonizado com as novas práticas de gestão urbana e deseja construir uma cidade mais justa, democrática e sustentável.

Pra quê incorrer nos mesmos erros de outras cidades. Enquanto estamos indo atrás dos cajus, São Paulo já está voltando com as castanhas, infelizmente tostadas.



Oliveira Júnior é arquiteto e professor do Unipê.

Um comentário:

  1. O paradigma rodoviarista já está saturado, e concordo que as iniciativas devem-se voltar para as alternativas de transportes coletivos e inspiração nas boas práticas mostradas no artigo acima.
    Noutro sentido, os possíveis programas de recuperação do rio Jaguaribe nas esferas municipal e estadual, com o intuito de revitalizá-lo e renaturalizá-lo, devem considerar ações que devolvam, acima de tudo, o rio Jaguaribe aos pessoenses. Para tal, tornam-se imperativas atuações do planejamento urbano ambiental integrados, envolvendo medidas multisetoriais que possibilitem a renovação do desenho qualificado de sua paisagem e criação de espaços públicos verdes nas suas margens (parques lineares).
    Mais uma vez, para casos complexos como este, se aplicado enquanto instrumento de planejamento, os concursos de projetos fariam emergir soluções eficazes que poderiam valorizar uma das principais áreas naturais da capital paraibana. Podemos lembrar também que as soluções perpassam pela realoção de várias comunidades carentes que sobrevivem nas áreas de risco as margens do rio Jaguaribe. Logo é um exercício de paisagismo, urbanismo e arquitetura que requer da visão sistêmica da engenharia, da geografia, da sociologia e da biologia para solucionar.

    Marco Suassuna.

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