sábado, 31 de março de 2012

A classe "operária" vai ao "paraíso"?

As novas mansões da classe média 
Juliana Cunha

Na década de noventa,  condomínio equipado era aquele que contava com piscina, parque infantil, quadra e salão de festas. Essa estrutura já aumentava bastante o valor da taxa de condomínio e causava confusões, além de ser subutilizada pela quase totalidade dos moradores. Hoje, as construtoras tentam nos introduzir “novos conceitos em moradia”, uma tentativa de realizar o brasileiríssimo sonho da casa própria e todos os demais sonhos da classe média que, basicamente, resumem-se a um só: parecer rico. Neste texto, envio diretamente dos chakras do meu coração um alerta quanto à breguice desses novos  edifícios  e quanto ao fato  de que  morar em uma  mansão repartida não transforma a classe media em rica, e sim em jeca. Esses novos prédios têm de tudo porque, depois de comprar um apartamento neles, você não terá nem como ir à esquina. 

O preço dos objetos de desejo da classe média em condomínios deveria ser calculado em número de vizinhos. Colocando as coisas como são, em vizinhos, em gente para rachar a conta, fica mais animador morar em um pensionato. E a decadência de um condomínio grande, alem de vir a galope, é uma coisa triste de se ver. Em pouco tempo, a minúscula sauna da piscina do prédio onde morei na  infância se tornou um nojo. A própria piscina só  foi significativamente utilizada no primeiro ano. Sempre que alguém  se mudava era visto dando braçadas por  lá. Um mês depois estava  tão  seco quanto o resto de nós. O grande mico do  edifício era uma cantina  trendsetter desse esquema pay-per-use que as construtoras apontam como solução para o encarecimento das taxas de condomínio. E olha que no caso da cantina ainda fazia algum sentido, distribuir chiclete de graça já seria demais, mas qual a graça de pagar a mais por um apartamento em um prédio que tem academia de ginástica e ter que pagar pela academia de ginástica? Daqui a cinco anos vai ser complicado alugar ou vender um apartamento em um desses prédios em função de taxas de condomínios inadiministráveis. As construtoras precisam entender que ninguém mora na piscina e que todo mundo preferiria uns metros a mais na  própria  sala a ter que dividir um  salão  de jogos com trocentos vizinhos. Fiz uma listinha definindo os “diferenciais” mais irritantes dos novos prédios: 

Espaço Gourmet: Sala de jantar no meio do salão de festas. O beneficio teórico é lhe permitir oferecer um jantar sem bagunçar a casa. Mas, peraí, se você bagunçar o tal Espaço não vai ter que limpar do mesmo jeito? Trata-se de uma idéia odiosa. Lá de onde eu venho, chamar uma pessoa para jantar na nossa casa é um símbolo de intimidade e acolhimento e outras coisas que não cabem no salão de festas. 

Terraço Grill: Veio para atender à demanda da classe média de bater um churrascão na laje. Cada varanda vem equipada com uma churrasqueira que  também serve para defumar a casa do vizinho com a gordura da sua carne. Tudo muito fino, tudo muito elegante. Um empreendimento em Sergipe  resolveu dar um toque regional e criou o Espaço Caranguejo, daí você tira... 

Praça das Babás: Não basta enxotá-las do elevador social, é necessário criar um espaço específico para que nada nesse mundo sirva de desculpa para elas se misturarem aos condôminos. O parque infantil de  serviço  só não  foi criado porque o hábito escravocrata de criar os filhos da empregada saiu de moda devido à diminuição dos apartamentos. 

Garage  Band: Satisfaça a suburbanada do seu filho que voltou do intercâmbio de ter uma legítima banda de garagem. Agora sim o rock brasileiro vai vingar. 

Espaço Mulher: Só uma outra forma de dizer que o resto do condomínio é um grande Espaço Homem. 

Juliana Cunha, 20, é escritora e estudante de Letras. juliana.cunha@revistametropole.com.br 

Texto originalmente publicado na REVISTA METRÓPOLE, Número 16, Outubro 2008

3 comentários:

  1. Bom texto! Só sinto falta do blogueiro fazer um comentário sobre o tema.

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    1. Tem razão Larissa. Eu já tinha esse texto nos meus arquivos e ontem resolvi publica-lo de forma um pouco apressada e acabei por não fazer um comentário pessoal sobre o conteúdo. Vou aceitar a provocação e ficaria mais entusiasmado em ler depois suas impressões pessoais.

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  2. Ainda bem que temos intelectuais esclarecidos instruindo a classe média sobre o que lhe é consentido ou não desejar. Decerto alguns anos de planejamento centralizado da economia haverão de acabar de vez com essas jequices.

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