segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Affonso Eduardo Reidy

Uma utopia concreta!
Oliveira Júnior


Ontem fui assistir ao filme de Ana Maria Magalhães: " Reidy - a construção da utopia". Uma oportunidade ímpar, em face da escassez de produções que abordem a temática da arquitetura e do urbanismo. Ver e ouvir os depoimentos históricos de Lúcio Costa e Carmem Portinho já valeram o ingresso. 

Cartaz do filme


Trailler

Acostumado a ver Lúcio Costa apenas em fotografias, fiquei bastante emocionado ao assistir um belo registro do mestre.  Com idade avançada, aparência frágil e voz rouca, Lúcio demonstrou incrível lucidez e sagacidade intelectual ao comentar sobre a obra de Reidy e frisar que ele era o mais civilizado dos arquitetos brasileiros.

Lucio Costa

Carmem Portinho, eterna companheira, revelou algumas particularidades da trajetória de Reidy desde sua obsessão pela democratização dos espaços urbanos e qualificação das habitações para população de baixa renda, até sua frustração e o rompimento com o poder público em face das restrições e descaracterizações a que foram submetidos seus projetos. Remetendo ao projeto do Aterro do Flamengo Portinho relembra que "ele queria um parque para a cidade poder respirar".

Carmem Portinho
Fonte: desconhecida

Affonso Eduardo Reidy (1909- 1964) nasceu na França, em Paris, filho de um inglês e uma brasileira e ingressou na Escola de Belas Artes do Rio de Janeiro aos 17 anos. O ambiente acadêmico conservador da época não o impediu que se encantasse com as idéias arquitetônicas modernistas, principalmente as de Le Corbusier. 

Afonso Eduardo Reidy

Dotado de enorme senso de urbanidade, Reidy pensava a cidade como um organismo complexo, cujos problemas deveriam ser enfrentados com sensibilidade social e rigor técnico. O filme destaca que alguns projetos de habitação popular de autoria do arquiteto, localizados em áreas privilegiadas,  sucumbiram face à especulação imobiliária carioca. "Devem existir em cada bairro habitações baratas, já que cada bairro tem os seus trabalhadores", afirmava Reidy.

Durante a narrativa do filme são inseridos comentários do pritzker Paulo Mendes da Rocha que destaca sua admiração pela obra de um dos pioneiros do brutalismo arquitetônico no Brasil e enfatiza que o sucesso das realizações de Reidy está ligado ao profundo conhecimento técnico do arquiteto. Mendes da Rocha ao comentar sobre a obra de Reidy, e em especial o Museu de Arte Moderna e o Aterro do Flamengo, sintetiza que "a arquitetura é antes de mais nada a transformação da natureza". 
Citando a música de Jobim "Corcovado" ilustra a importância dos edifícios e da janela para contemplar a natureza.  Taxativo quanto a necessidade de qualificação dos espaços arquitetônicos e urbanos, e a construção de uma cidade para todos, considera vital a presença do valor estético na vida das pessoas. Para Mendes da Rocha "não conseguimos fazer nada sem arte. Nem pentear os cabelos". "Temos que imaginar que seremos os Reidys do futuro", encerra o discurso no filme.

Paulo Mendes da Rocha

Com o pensamento convergente ao de Paulo Mendes, o francês Roland Castro, um dos seis arquitetos convidados pelo presidente Nicolas Sarkozy para elaborar um plano urbanístico para a Grande Paris nos próximos 30 anos, acredita que "a palavra beleza na arquitetura se confunde com dignidade". Indagado sobre a obra de Reidy, Roland Castro frisou a visão vanguardista e o comprometimento do arquiteto com um desenvolvimento urbano sério e convergente com os princípios do "Movimento Utopia Concreta" criado por ele.  Para Castro todas as grandes revoluções na sociedade foram feitas por utopistas e que todas as realizações quando ainda estavam no campo das idéias também eram utopias. A transformação da sociedade exige um enorme esforço. "Eu penso que efetivamente sonhar dá trabalho".

Roland Castro

Embora alguns periódicos online como o Estadão, o Jornal do Brasil e a Veja São Paulo guardem uma dose de acidez em seus comentários sobre o filme devido ao pragmatismo da narrativa, mais ligada aos aspectos mais técnicos que emocionais da vida do arquiteto, eu particularmente recomendo a película, que antes de tudo é uma lição de cidadania e exaltação de uma utopia possível e desejável para as nossas cidades.


3 comentários:

  1. a expressão "a arquitetura é um sonho concretizado" é uma constante linda de se ouvir e ver no documentário todo!
    muito bom mesmo, vale a pena ver!

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  2. Júnior, seu blog cada vez mais arrasa! Acabei de ler seu ótimo texto! Vou ver o filme e compartilhar sua resenha.
    Beijos,
    Rossana Honorato, daqui de nós, Paraíba.

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  3. Muito estimulante ler esses comentários. Bom filme pra todos e depois façam os comentários aqui.

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