sábado, 26 de novembro de 2011

Menção honrosa - Prêmio Jovens Arquitetos 2011


REFLEXÃO COMPARATIVA E PROPOSITIVA EM HABITAÇÃO DE INTERESSE SOCIAL 
O caso do empreendimento Anayde Beiriz em João Pessoa-PB 

MARCO SUASSUNA¹
Profº  Ms. do Centro Universitário de João Pessoa, UNIPÊ. Departamento de Arquitetura e Urbanismo. 
BR-230-Km 22 - Água Fria - CEP 58053-000 
marcosuassuna@gmail.com 


INTRODUÇÃO 

Historicamente o modelo de urbanização de João Pessoa, município com 716.042, se deu de forma dispersa, seletiva, desordenada e impactante (IBGE, 2010). Como resultado do crescimento disperso e da forma especulativa de apropriação do  solo, famílias de menor poder aquisitivo excluídas da produção de mercado e de políticas públicas de habitação improvisaram abrigos em assentamentos precários tanto nos espaços periféricos quanto em áreas intraurbanas.  No período de intensa intervenção do Estado na construção de moradias nos anos de 1964 a 1986 com o Sistema Financeiro da Habitação (SFH) e Banco Nacional da Habitação (BNH) ficaram de 
fora a maioria da população de baixa renda, aquelas que ganham até 3 salários mínimos. 

Por outro lado os conjuntos habitacionais oficiais  deste período se mostraram ineficazes pela localização periférica, pela ausência da articipação popular na concepção dos projetos, pela excessiva padronização, pela monotonia na paisagem  urbana e impessoalidade dos espaços coletivos. Semelhante a realidade nacional, em João Pessoa além destes aspectos, concentração de renda, investimentos seletivos em setores privilegiados da cidade, encarecimento da terra urbana, desemprego, pobreza, desenho da cidade em função do automóvel, e a falta de planejamento urbano integrado influenciaram no contrastante padrão habitacional e na configuração espacial de uso e ocupação do solo do município. 

Atualmente, o déficit habitacional quantitativo do município é de 25 mil moradias e cerca de 20% da população sobrevivem em assentamentos precários  (JOÃO PESSOA, 2011). Para combater esse quadro adverso parcerias entre as esferas federal, estadual e municipal estão sendo estabelecidas. 

No entanto, desde o lançamento do Governo Federal do PMCMV em 2009, com a previsão de construir um milhão de moradias para população de baixa renda, grandes conjuntos habitacionais estão sendo edificados em regiões periféricas, distantes das áreas centrais e com baixa qualidade urbanística e arquitetônica em várias cidades brasileiras, a exemplo da capital paraibana. A questão, portanto, não é apenas construir moradias  e sim como construir. Neste sentido, o trabalho apresenta uma reflexão comparativa e propositiva no mesmo terreno do empreendimento Anayde Beiriz, zona oeste do município de João Pessoa, a fim de evidenciar as discrepâncias entre o caso real, ora em construção, e o hipotético. O método comparativo serve para refletir sobre os impactos sociais, econômicos e espaciais entre os dois fatos, subsidiando a crítica entre o que foi e o que poderia ter sido executado, como afirma Bastos (2010): 
O direito à habitação digna passou a ser considerado como um potente instrumento de superação das condições urbanas problemáticas 
(sanitárias, viárias, de habitabilidade, etc.) agravadas pelo crescimento atabalhoado das cidades após a industrialização e a expansão da 
economia de mercado. (...) Cada singela ação no tema da habitação social ganha sempre um enorme significado simbólico, seus parcos 
logros (e muitos malogros) são potencializados ao máximo: o tema da habitação social nunca se esgota apenas no que é, mas, 
principalmente, em que se poderia tornar. (BASTOS, 2010, p. 303).   

O meio utilizado para a comparação foi um ensaio de desenho urbanístico arquitetônico com simulações espaciais e dados qualitativos e quantitativos a partir de oficinas em ateliê e visitas de campo com alunos do 8º e 9º períodos do curso de graduação em arquitetura e urbanismo do Centro Universitário de João Pessoa - UNIPÊ associados com outros colaboradores em escritório de arquitetura autônomo, por mais de um ano, que serviram para reunir as informações ora expostas.

Outras motivações para tal iniciativa foram: 
a) refletir sobre as conseqüências da falta de comprometimento em valorizar a prática do projeto no processo de planejamento urbano; 
b) pensar sobre os danos causados por dispersos conjuntos habitacionais de baixa densidade; 
c) conjecturar sobre a eficiência dos investimentos públicos e da infraestrutura; 
d) aferir a contribuição da intervenção na escala territorial e local; 
e) avaliar a qualidade da arquitetura e do urbanismo no plano de bairro; e
f) analisar a contribuição da redução do déficit habitacional numa ótica sistêmica e não emergencial. 

O caso hipotético em questão não afirma a condição ideal de apropriação espacial, apenas indica uma hipótese, dentre tantas outras, cujos resultados evidenciam cenários mais eficazes das 4 tipologias arquitetônicas e dos espaços coletivos propostos, reconhecendo a utilidade do projeto urbano para as tomadas de decisão dos gestores. Busca mostrar ainda, numa abordagem factível, que o modelo tecnocrático de projetação é limitado  na criatividade das unidades habitacionais (UH) e no desenho do parcelamento do solo, reproduzindo, indistintamente, a tradução de cadernos de especificações, planilhas e índices numéricos que, embora alcance na atualidade algum estágio de avanço na provisão de equipamentos comunitários (para este caso escola e ginásio esportivo), são incapazes de caracterizarem como espaços de sociabilização e habitabilidade qualificadas por basearem suas ações no pragmatismo típico dos órgãos públicos estatais.  


CONTEXTO URBANO E O PARTIDO URBANÍSTICO ARQUITETÔNICO DO ANAYDE BEIRIZ 

O lote do empreendimento de 8,7 hectares (ha) situa-se na zona oeste do município, no Bairro das Indústrias, cujos acessos se dão pela BR 101, Avenida das Indústrias com Rua da Ação. 
Possui topografia predominantemente plana e geometria dos limites irregular trapezoidal. Há uma área de preservação ambiental de 9.566,54 m² inserido dentro dos limites do terreno. O entorno é formado por habitações de baixa renda com gabarito de um a dois pavimentos a oeste e por galpões fabris com baixa densidade de ocupação a leste. Para aprovação do projeto em área industrial, órgãos ambientais exigiram a criação de um cinturão verde para purificação do ar e a permanência de uma área de preservação ambiental. Após o início das obras no bairro em estudo, casas geminadas começaram a ser construídas pelo setor privado com valor do metro quadrado para venda acima de R$ 1000,00 (valor estimado em setembro de 2010), preço considerado alto para o padrão construtivo de baixa renda no mercado local. 

A área foi declarada de utilidade pública, conforme Decreto nº 5.571/05 de 29 de dezembro de 2005, publicado no Semanário Oficial do Município.  Essa aquisição se deu sob a forma de desapropriação amigável pertencente ao parque fabril atualmente desativado da ARTBRÁS S/A – Carnes e Derivados, localizado na Avenida das Indústrias nº 1965.  Segundo memorial descritivo da SEMHAB, o lote foi criado Zona Especial de Interesse Social – ZEIS conforme Resolução nº 2/CDU -GP, de 11 de janeiro de 2006. Enquanto partido adotado, o solo foi parcelado em quadras ortogonais, sendo quatro destas no sentido leste-oeste e cinco no sentido norte-sul, que abrigam 584 UH de 42m² justapostas e geminadas duas a duas, com quatro moradias por bloco. 


Figura 01- Localização do Bairro Anayde Beiriz na escala da cidade e do lote em estudo destacado. Fonte: Secretaria Municipal de Planejamento editado pelo autor.



A disposição dos blocos habitacionais segue uma lógica repetitiva e pouco atraente na paisagem tanto no paralelismo da implantação quanto na mesmice das tipologias arquitetônicas, térreo+1, a única do conjunto. Em relação ao conforto térmico, as UH foram dispostas no sentido leste-oeste, e as aberturas voltadas para norte-sul, visando aproveitar os ventos predominantes sudeste e, no menor período do ano, os ventos nordeste. Acertadamente, nenhuma abertura está voltada para o intenso sol poente do nordeste brasileiro.  

Os equipamentos comunitários - ginásio esportivo e  escola - situam-se em um dos vértices do trapézio, voltado para a principal via-Rua da Ação, com mais visibilidade e interação com o bairro das Indústrias no entorno. As quadras dos usos não possuem muros, mas por razões econômicas do que de uma intenção projetual. Resultado do formato irregular, os espaços residuais nos cantos das quadras foram destinados aos comércios, contudo sem um estudo específico para a área. Parece que tal medida foi aleatória em prever tais espaços nas quinas das quadras, como que para preencher os espaços vazios. O recomendado seria realizar um cadastro das atividades comerciais desempenhadas pelos moradores, pela Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social, que pudessem servir de informação para o projeto do edifício comercial.  



Figura 02- Implantação e parcelamento do solo do projeto da Prefeitura Municipal de João PessoaSecretaria Municipal de Habitação Social-SEMHAB. Fonte: SEMHAB editado pelo autor, 2010


No entanto, sem projetos arquitetônicos para essas  áreas residuais, a tendência será uma agressão à paisagem pelas construções improvisadas  que lá se instalarão, deteriorando o conjunto urbano. 

Os espaços públicos aparecem alternados entre as UH, mas a ausência de mobiliário e paisagismo não deixa claro o limite entre público e privado além de não estimular as relações de vizinhança. Há uma desproporcional quantidade de espaço privado (uso habitacional) em 
contraposição a fragmentados espaços livres e públicos (praças e equipamentos comunitários) no lote. Como de praxe, os espaços coletivos e áreas verdes foram habitualmente destinados para restos de parcelas do solo que cumprem os famosos 15% do código de urbanismo municipal - Art. 89 (...) da superfície a ser loteado o mínimo de 10% serão destinados a praças e jardins públicos e 5% para equipamentos comunitários, sendo mais um  cumprimento da legislação do que uma intencionalidade de desenho urbano. Nota-se ainda uma grande área de vias locais o que vem acarretando em alto investimento.   



Figuras 03 e 04- As moradias ritmadas e monótonas e sua relação com  o ginásio esportivo e a escola em um dos vértices do terreno. A Rua da Ação, ainda encontra-se sem pavimento. À direita, após visita ao local, foi encontrada uma área livre com potencial para encontro entre os moradores situado estrategicamente ao lado da escola. Lamentavelmente essa possibilidade foi negada pelo projeto urbano em si. Fonte: Marco Suassuna, 2010 



Figura 05 e 06- Visita das autoridades governamentais e dos movimentos populares pró-moradias ao empreendimento, em Maio 2011. À direita, vista de uma via local em contrução ladeada pelas moradias. Iminência de uma paisagem pouco atraente no conjunto urbano. Fonte: Marco Suassuna, 2010 



Essa desproporcional quantidade de vias para veículos é visivelmente paradoxal num bairro de baixa renda com poucos moradores proprietários de carros particulares, além de privilegiar o transporte individual em detrimento do coletivo. 

Não se pode afirmar que, no caso do empreendimento Anayde Beiriz, nem mesmo a motivação deste partido foi numérica e econômica, pois persiste o sub-aproveitamento do solo e consequentemente da infraestrutura. A uniformidade  e monotonia do espaço construído, o 
excesso de vias para automóveis, a limitada disposição de praças de convívio, a baixa densidade e a tímida relação com o entorno são elementos que caracterizam o referido conjunto habitacional como de baixa qualidade urbanística arquitetônica. 


O PARTIDO URBANÍSTICO ARQUITETÔNICO PROPOSTO: ENTRE A CIDADE MODERNISTA, A TRADICIONAL E A CONTEMPORÂNEA 

O estudo faz parte de uma seqüência de investigações que o autor² vem desenvolvendo na capital paraibana, reconhecendo na historiografia moderna aspectos positivos em conjuntos habitacionais que ainda são válidos em ações hodiernas. Influências de casos correlatos que unem arquitetura e urbanismo na atualidade também serviram para a concepção projetual hipotética. Portanto, o partido reúne valores do urbanismo moderno, tradicional e contemporâneo.  

Dos conceitos modernistas prevalecem a implantação  laminar ou pavilhonar dos edifícios, as áreas verdes intercaladas com o uso residencial, mas nega-se o monofuncionalismo, a separação estrita das funções e a supervalorização do automóvel ditando o desenho urbano. Da cidade tradicional incorpora-se a valorização da rua, sobretudo das calçadas, do uso comercial no térreo e a redução das distâncias. Da contemporaneidade evidencia-se a polifuncionalidade, a diversidade tipológica e compositiva e a interatividade entre os espaços públicos e privados. As 8 quadras de usos resultantes do desenho urbano foram apenas 05, a metade da situação em construção, cujo parcelamento do solo dividiu as quadras em 10.  


Quadro 1:  Projeto correlato 01 – influências durante a fase criativa




Quadro 2:  Projeto correlato 02 – influências durante a fase criativa


Quadro 3:  Projeto correlato 03 – influências durante a fase criativa

Outras prerrogativas projetuais definidas na proposta foram: 
a) respeito à escala do pedestre;
b) definição morfológica da quadra aberta; 
c) integração com o entorno; 
d) mistura equilibrada de usos; 
e) elementos indutores das relações de vizinhança; 
f) descentralização das áreas de lazer e estar; 
g) otimização do solo a partir da verticalização e 
h) dinâmica volumétrica a partir da combinação de diferentes tipologias arquitetônicas.  



Figura 07- Esquema conceitual do partido urbanístico. Fonte: Marco Suassuna, 2010


Figura 08- Implantação geral hipotética - Térreo. Fonte: Marco Suassuna, 2010

O ensaio de projetação entende o tema da habitação  social, a partir da noção de bairro-cidade capazes de atender tanto a necessidade por moradia digna quanto a possibilidade de promover relações e transformações sociais no urbano.  Assim compartilha da utopia moderna do início do século XX adaptadas ao dias de hoje. A esse respeito Bonduki (2004) apud Koop (1990) discorre: 
[...] compartilham os arquitetos, urbanistas e outros profissionais comprometidos com a produção habitacional brasileira dos anos 30 aos 
50 a idéia de seus companheiros europeus dos anos 20 e 30, segundo a qual “a arquitetura moderna não era apenas formas depuradas e 
técnicas contemporâneas, mas também e sobretudo a tentativa de participar, no nível da construção do ambiente, da  transformação da 
sociedade?” A luz do que sabemos hoje, a resposta é positiva. [...] os conjuntos habitacionais e seus equipamentos sociais, entendidos como células básicas do organismo urbano. (BONDUKI, 2004 Apud KOOP, 1990, p.137) 

Figura 09- Esquemas conceituais durante a fase criativa. 1-Relação com o entorno, 2-Conectividade 
e hierarquia viária, 3-Dinâmica dos fluxos de pedestres. Fonte: Marco Suassuna, 2010.

MISTURA DE USOS: RESIDENCIAL, COMERCIAL, SERVIÇOS E LAZER

A mistura e inter-relação de usos promovem movimento nas calçadas, podendo contribuir à maior segurança nos espaços públicos pelo seu poder de vigilância ininterrupto. Nesse estudo essa premissa foi considerada na espacialidade proposta. A este aspecto Jacobs (2000) relata: A calçada deve ter usuários transitando ininterruptamente, tanto para aumentar na rua o número de olhos atentos quanto para induzir um número suficiente de pessoas de dentro dos edifícios da rua a observar as calçadas. (JACOBS, 2000, p.36). 


Figura 10- Implantação parcial hipotética. Praças de vizinhança, quadras poliesportivas, comércios nas esquinas e pilotis, polifuncionalidade favorável a animação urbana. Fonte: Marco Suassuna, 2010 

Há quadras poliesportivas e praças de vizinhanças de forma descentralizadas, visando atender a população local e do entorno. Além do mais, a polifuncionalidade atua como importante elemento de vitalidade urbana, visto que inúmeras relações de vizinhança são otencializadas nos heterogêneos espaços gerados. 


Figura 11- Vista volumétrica geral a partir da Rua da Ação. Fonte: Maquete elaborada por Guilherme Gurjão, Jan Furtado. 2010 


COMÉRCIO LOCAL E CENTRO DE COMÉRCIO E SERVIÇOS

Boxes comerciais (comércio local) foram dispostos em localizações estratégicas e se relacionam equilibradamente entre os blocos habitacionais. Os  comércios nas esquinas reforçam este aspecto. Assim, para atender as demandas cotidianas, as distâncias percorridas são pequenas.  

Com forma arquitetônica em “L” invertido e voltado para a via coletora Rua da Ação, o Centro de comércio e serviços proposto possui dois pavimentos e trechos sob pilotis, com mais de 1800 m² de área construída. Visa reunir, num mesmo edifício, um conjunto de módulos destinados a atividades econômicas de empreendedores locais, atividades-âncora e serviços, tais como correios, bancos, casas lotéricas, farmácias, padarias, lanchonetes, salões de beleza, papelarias, livrarias, magazines, mercadinhos que atendam os moradores do bairro e do entorno. A intenção é prover a formação de uma rede de oportunidades e negócios para fomentar a sustentabilidade 
econômica dos usuários após as obras.  


Figura 12- Centro de comércio e serviços voltado para a Rua da Ação. Fonte: Maquete desenvolvida 
por Davi Lucena, Croquis de Marco Suassuna, 2010


DESENHO URBANO E DESENHO DA PAISAGEM

O estudo afirma a importância de planejar, de forma indissociável, desenho urbano das áreas habitacionais com desenho da paisagem das áreas livres. Entre outros aspectos, são previstas árvores tanto para o conforto ambiental, quanto para a beleza paisagística da área. Na concepção geral em questão, propõe que paisagismo, urbanismo  e arquitetura sejam articulados entre si, conformando o desenho da paisagem pretendido, imprimindo identidade com um urbanismo arquitetônico, um paisagismo urbanístico, uma arquitetura da paisagem. (TEIXEIRA, 2007). 

Os arbustos também foram previstos para proporcionar mais privacidade no nível do térreo, uma vez que são sugeridos jardins de frente as janelas  das tipologias habitacionais visando inibir a proximidade de olhares curiosos e desviar atenção com espécies de cores contrastantes (bromélias, rosas, girassóis, conforme esquema a seguir.  


Figura 13- Fonte: Esquema da vegetação como artifício de privacidade no nível térreo. Fonte: Marco Suassuna, 2010 


Figura 14- Vista panorâmica de um trecho do cenário projetual mostrando a dinâmica volumétrica e sua relação com os espaços coletivos. Fonte: Maquete eletrônica por Danilo Paiva, 2010


TIPOLOGIAS HABITACIONAIS 

Foram definidas tipologias duplex, moradias sobrepostas, edifícios de 04 pavimentos e plantas de um, dois e três quartos, conforme diversidade da estrutura familiar nesta faixa de renda. Na tipologia duplex, há a possibilidade de ampliação para mais um cômodo, visando atender aos pré-requisitos do aumento familiar comum nesta classe social de baixa renda. 

Figura 15- Implantação geral-classificação tipológica das UH. Fonte: Marco Suassuna, 2010

Figura 16- Tipologia duplex com possibilidade de ampliação. Fonte: Marco Suassuna, 2010


Na tipologia térreo+1 pavimento as plantas possuem dois dormitórios com 42,90m², podendo ser ampliada para 46,50m². Nesta tipologia foi proposto no térreo a unidade habitacional adaptada. Na tipologia térreo+3 pavimentos “H” e “U” as plantas são flexíveis para atenderem a variedade das necessidades familiares, com apartamentos de 1, 2, 3 quartos, com áreas de 33,44m², 41,50m² e 50,33m², respectivamente, além de uma quitinete com 27,50m² situado junto a entrada demarcada por pórticos de cores diversas.  

Figura 17- Diversidade nos arranjos espaciais das plantas. Fonte: Alexandre Suassuna na colaboração da tipologia térreo+3 “H”, Marco Suassuna, 2010


Nas extremidades dos blocos dos apartamentos da tipologia térreo+3, tem-se a possibilidade da inserção de comércio nas esquinas sem nenhum prejuízo plástico de tais edificações. Além do pilotis em parte do bloco derivado da subtração de  dois apartamentos criando mais um espaço para trocas sociais, favorecendo as visuais e a porosidade dos ventos.  

Figura 18- Tipologia térreo+3 “H”, comércio nas esquinas e pilotis no centro. Fonte: Maquete por Erico Actium e edição da planta baixa por Marco Suassuna, 2010

Os blocos das habitações reproduzem movimentos volumétricos graças aos avanços e recuos e a mudança de direção dos acessos. A cada conjunto tipológico tem-se o acesso por uma via de pedestre entre os blocos, no seguinte muda-se o mesmo para o lado oposto, desta forma a vitalidade nos tráfegos de pedestres é dividida e equilibrada ao mesmo tempo.  


Figura 19- Esquemas conceituais das tipologias. Alternância dos acessos, variedade de portas para os passeios públcos. Fonte: Marco Suassuna, 2010


Em relação ao cromatismo, o branco enquanto base em contraste com cores variadas propõe uma concepção aberta favorável à customização das tipologias arquitetônicas, podendo as cores mudar com o tempo numa tentativa de preservar a diversidade do conjunto urbano na paisagem.  


Figura 20- A base cromática branca em contraste com cores vibrantes e movimento alternado das tipologias. Fonte: Maquete eletrônica por Danilo Paiva, 2010 


ASPECTOS CONSTRUTIVOS E SUSTENTABILIDADE 

Racionalidade, produtividade, economia de meios, e  baixo custo são aspectos consensuais à construção de habitações de interesse social. Nesta lógica, para viabilidade construtiva, sugerimos a utilização da alvenaria estrutural e pré-fabricação de elementos construtivos 
(escadas, elementos vazados, esquadrias, etc.). A modulação enquanto artifício de ordem construtivo-espacial foi outro recurso sugerido para agilidade e redução de entulhos na possível execução da obra, uma vez que as plantas baixas seguem o módulo do tijolo estrutural. A 
estrutura metálica foi prevista, mas em menor quantidade para não onerar os custos com o frete, já que a matéria prima não é abundando no nordeste. Foi proposto no edifício de comércio e serviços pela leveza e facilidade de vencer grandes vãos e em gradis pré-fabricados das sacadas.  

O estudo aborda ainda o conceito da Sustentabilidade compreendendo as suas múltiplas dimensões: espacial, ambiental, social, econômica e cultural.  

a) Na dimensão espacial: ordenar o uso e ocupação do solo na escala do bairro integrando com o entorno e conforme densidade ocupacional satisfatória, valorizar o entorno; 
b) Da dimensão ambiental: prever a permeabilidade do solo contribuindo para a drenagem das águas pluviais, desenho urbano segundo princípios da ecoefiência prevendo a correta orientação das edificações aptas a captar ventilação predominante sudeste e aberturas favoráveis para a iluminação natural contribuindo para a economia de energia dos edifícios; na escala do edifício proposta de utilização 
de materiais ecologicamente corretos nas construções de uso residencial e comercial projetados, adoção de medidores individuais de água e gás; 
c) Social: contribuir para a efetiva redução do déficit habitacional com a previsão de 824 moradias dignas (240 a mais em relação a situação existente), criação de espaços públicos e coletivos para trocas sociais; 
d) Econômica: projetar  áreas comerciais para geração de renda, relacionar  custo-benefício entre infraestrutura, equipamentos projetados e quantidade de moradias previstas com a eficiência dos investimentos públicos; e 
e) Cultural: respeitar os costumes culturais locais refletidos na espacialidade proposta. 


Quadro 4: Materiais construtivos utilizados na concepção de desenho urbano 


A NECESSIDADE DA COMPARAÇÃO E REFLEXÕES CRÍTICAS

Para evidenciar as discrepâncias entre os dois casos foi necessário recorrer aos dados comparativos e a algumas simulações de cenários espaciais na situação hipotética. Apenas citando um dado quantitativo, na situação hipotética, 824 unidades habitacionais foram previstas, o que representa 240 moradias a mais em relação à situação em construção. Desta forma, apesar dos esforços, os recursos foram mal aplicados pois 240 famílias desassistidas continuarão a viver na marginalidade sócioespacial. A densidade urbana bruta do caso oficial é de 268,50 hab/ha, a da situação hipotética 378,85 hab/ha demonstrando que é possível conciliar otimização da infraestrutura e dos investimentos com a qualidade dos espaços públicos e privados criados.  

Nos aspectos qualitativos entre os dois casos, a questão programática dos equipamentos comunitários e espaços de convívio são mais numerosos e diversificados no caso hipotético. Sem contar a previsão de comércios devidamente integrados na concepção do desenho urbano, já citado anteriormente. 

Mas de todas as variáveis que envolvem esta temática, a mais relevante é o da densidade ocupacional. Nesse estudo comparativo, ficou claro, no modelo oficial, a baixa densidade e o subaproveitamento do solo, desperdiçando, inclusive, estratégica área para futuros empreendimentos no seguimento da habitação de interesse social, uma vez que a ocupação na gleba foi total.  

Cabe aqui um parêntese: somando com outros empreendimentos de baixa densidade que estão sendo construídos na cidade, com a mesma tipologia  porque os projetos complementares e planilhas estão prontos sendo “mais prático não pensar em um novo projeto”, mais de 2000 famílias não foram incorporadas nas políticas públicas de habitação devido ao equívoco do desenho urbano adotado e a desvalorização do projeto urbano associado ao planejamento territorial. Neste cenário essas famílias permanecerão vivendo em assentamentos precários, pressionando os recursos naturais, expandindo a mancha urbana e a manutenção do quadro de exclusão sócioespacial. Qual o custo para os governantes e para a sociedade manter essas 2000 famílias sem moradias e políticas de inclusão social?  


Quadro 5:  Quadro comparativo entre a situação hipotética e a existente 


Os números da densidade ubana bruta mostram que ainda seria possível elevar o adensamento para aproveitar a infraestrutura e a área do terreno, dando margem a outros ensaios projetuais na área. Além destes fatores, pela dificuldade de acesso a terra urbanizada e legalizada, o alto custo dos terrenos e a pouca oferta destes para habitação popular, o desperdício do potencial de ocupação do solo derivado do projeto equivocado se  torna mais evidente e preocupante. Para combater o déficit quantitativo de João Pessoa que é de mais 25 mil moradias, essa reflexão pode e deve ser considerada nas tomadas de decisões. Neste sentido, eis o papel que a prática do 
projeto urbano e arquitetônico pode exercer para a  construção de uma cidade mais justa, sustentável e democrática.  

As reflexões descritas neste trabalho se referem ao combate do déficit quantitativo, ou seja, a necessidade de construir novas moradias, para o déficit qualitativo as ações interdisciplinares recomendadas por especialistas apontam para reabilitação de edifícios ociosos para o uso habitacional em áreas centrais consolidadas, urbanização de favelas integrando ao contexto da cidade legal, regularização fundiária transformando loteamentos clandestinos em Zonas Especiais de Interesse Social aptos para receber investimentos públicos, formulação de políticas públicas e intersetoriais de inclusão social tais como emprego, renda, educação, entre outras medidas favoráveis a conquista da cidadania e ao direito a cidade.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANDRADE, Mônica Raposo, SOUZA, Maria Ângela de Almeida. Manual de Projetos de Habitação Popular; Parâmetros para Elaboação e Avaliação. Recife, Secretaria de Habitação do Estado de Pernambuco, 1981.Recife Gráfica Editora Ltda.1981. 

BARDA, Marisa; FRANÇA, Elisabete. A  cidade informal no século 21: exposição Paraisópolis- Catálogo. Museu da Casa Brasileira. 2º ed. São Paulo: 2010. Marcelo e Produção Gráfica.  

BASTOS, Maria Alice Junqueira; ZEIN, Ruth Verde. Brasil: arquiteturas após 1950. São Paulo: Perspectiva, 2010.  

BONDUKI, Nabil. Origens da habitação social no Brasil: arquitetura moderna, lei do inquilinato e difusão da casa própria. 4. ed. São Paulo: Estação Liberdade, 2004. 

BONDUKI, Nabil. Origens da habitação social no Brasil: arquitetura moderna, lei do inquilinato e difusão da casa própria. 4. ed. São Paulo: Estação Liberdade, 2004. Apud KOPP, Anatoli. Quando o moderno não era um estilo e sim uma causa. São Paulo: Nobel/Edusp, 1990. 

BUENO, Laura Machado de Mello. Projeto e favela: Metodologia para projetos de urbanização. PÓS - Revista do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e urbanismo da FAUUSP - São Paulo: FAU, 1990. 

FRENCH, Hilary. Os mais importantes conjuntos habitacionais do século XXI. Porto Alegre: Bookman, 2009.  

GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO, SECRETARIA DE ESTADO DE HABITAÇÃO. Sustentabilidade e inovação na habitação popular: o desafio de propor modelos eficientes de moradia. São Paulo, 2010. CDHU/IAB-SP

JACOBS, J. Morte e vida de grandes cidades. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

JOÃO PESSOA. Prefeitura Municipal. Habitação Social.  Acesso em 04 jun. 2011. 

PADOVANO, Bruno; VIGLIECCA, Hector. Habitação social é construída em mutirão a partir de uma arquitetura que valoriza os espaços comuns. Rev. Projeto, São Paulo, n.213, p.54-59, out. 1997. 

PAULA, Mônica. Simples qualidade de vida: condomínio La Playa prova que é possível conjugar conforto em apartamentos para população de baixa renda. Rev. aU - Arquitetura e Urbanismo, São Paulo, p. 50-55, set. 2009. (Especial Habitação).

TEIXEIRA, Carlos M. Outros olhares sobre a cidade. Rev. AU, ano 22, n.157, p.62-66, abril 2007. 


NOTAS 

1. Colaboraram com este trabalho Alexandre Suassuna, Erico Actium, Danilo Paiva, Davi Lucena, Guilherme 
Gurjão, Karina Mendes, Jackeline Silva, Jan Furtado. 21

2. Marco Antonio Suassuna Lima, arquiteto e urbanista pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo de 
Pernambuco FAUPE, docente do Centro Universitário de João Pessoa – UNIPÊ, e da Faculdade de 
Ciências Aplicadas – FACISA. Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente pela Universidade Federal da 
Paraíba pelo Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente – PRODEMA. Entre 2005 
a 2008 foi assessor da Secretaria de Habitação Social – SEMHAB da prefeitura municipal de João Pessoa.

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