Cidades mais compactas, com menores distâncias entre áreas residenciais, comerciais e a oferta de serviços básicos, podem ser uma solução a pequenas e médias cidades que enfrentam o já previsível problema do trânsito. O número de veículos no Brasil cresceu vertiginosamente nos últimos anos, em maior proporção do que o aumento populacional, e isso não se dá apenas nas grandes metrópoles. Mas como evitar o uso de carros se as cidades não são, em grande parte, organizadas para pequenos deslocamentos?
O G1 consultou especialistas no assunto que indicaram medidas que deveriam ter sido tomadas por autoridades municipais para evitar o caos no trânsito. E as soluções, eles concordam, demandam, em geral, ações de longo prazo.
“Esse aumento da frota é uma constante em quase todas as cidades do país, não é um elemento surpresa. Com o aumento da frota, cidades médias passaram a enfrentar os mesmos problemas que as grandes metrópoles. Faltou entender essa dinâmica e prever que o trânsito chegaria a esses locais”, diz Juliana Carmo Antunes, diretora de gestão da mobilidade do ITDP Brasil (Instituto de Política de Transporte e Desenvolvimento, na sigla em inglês)
O Brasil tinha, em março deste ano, segundo dados do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran), 66.116.077 veículos em circulação. Dados finais do Censo 2010 apontam uma população de 190,7 milhões de brasileiros. Se comparados os dados de frota e população em 2010, o Brasil tinha, em dezembro, 2,9 habitantes por veículo. A relação era de 5,7, em 2000.
“O planejamento que fizemos foi imaginar que seria possível acomodar o automóvel do ponto de vista individual. Mas usado de forma excessiva, o carro se torna um problema”, diz Orlando Strambi, professor do Departamento de Engenharia de Transportes da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo.
Um estudo divulgado, na semana passada, pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), aponta que quase metade dos motoristas brasileiros (cerca de 43,5%) dizem que enfrentam diariamente congestionamentos no país.
“Segundo o levantamento, moradores de Regiões Metropolitanas consideram o trânsito muito pior do que quem não mora em Regiões Metropolitanas, e isso reflete o porte da cidade. Entre motoristas de Regiões Metropolitanas, 17% consideram o trânsito bom ou muito bom e 53% consideram o trânsito ruim. Já entre os motoristas de cidades que não pertencem a regiões metropolitanas, o índice de quem considera o trânsito ruim é melhor, mas existe", afirma Ernesto Galindo, técnico de planejamento e pesquisa do Ipea. A pesquisa leva em conta a percepção dos motoristas e usuários de transporte público sobre o trânsito.
“Quando atingimos a frota de 40 milhões já tínhamos um número preocupante. Agora, com mais de 60 milhões, os problemas estão de graves a gravíssimos. Não há solução técnica e econômica para aumentar a capacidade de ruas e avenidas para atender à demanda crescente de automóveis”, diz o professor do curso de Engenharia Civil do Centro Universitário da FEI (Fundação Educacional Inaciana) Creso de Franco Peixoto.
Para Dario Rais Lopes, professor da Escola de Engenharia da Universidade Presbiteriana Mackenzie, faltou organização das pequenas e médias cidades que receberam o excedente da população das metrópoles. “Em 2011, quando foi criado o Estatuto da Cidade, que prevê que os municípios tenham um plano diretor, parte significativa das cidades médias já tinham ocupação acima do suportável. Na verdade, tem-se uma defasagem institucional no Brasil. A preocupação com o plano diretor, em outros países, é da metade do século 19, e aqui isso ocorreu muito depois. Temos 150 anos de defasagem em relação à preocupação urbana.”
De acordo com a Constituição Federal, o plano diretor é obrigatório para cidades com mais de 20 mil habitantes, e é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana. O Estatuto da Cidade, de 2001, prevê que o plano diretor deve ser revisto, pelo menos, a cada dez anos.
Cinco soluções para o trânsito
Sugeridas por especialistas em trânsito e transporte, as soluções para o caos nas ruas de pequenas, médias e grandes cidades demandam ações de longo prazo. O prazo médio para que resultados comecem a ser percebidos, se as ações começarem imediatamente, é de dez anos. Já a mudança completa de comportamento, segundo os estudiosos, pode levar cerca de 20 anos.
“Precisaremos lançar mão de tudo, não há uma única medida para resolver todos os problemas”, afirma Strambi, da Poli/USP.
A base das soluções é a criação de cidades mais compactas, em que as distâncias sejam menores entre casa e trabalho, por exemplo. Com isso será possível aplicar medidas como o desestímulo ao uso de veículo para pequenos deslocamentos e estímulo ao transporte não motorizado, como bicicletas e trajetos a pé. Também faz parte das soluções o investimento em melhoria nas condições de transporte público.
“É fundamental ter usos mistos do solo, favorecer que as pessoas façam suas atividades a pé. Uma característica das cidades é a setorização das coisas. Criam-se bolsões residenciais e as pessoas não conseguem realizar suas atividades dentro de um raio adequado, de até 1 km. Isso acaba gerando a necessidade de grandes deslocamentos mesmo em cidades médias", diz Juliana, do ITDP Brasil.
A tecnologia também pode ser uma grande aliada para reduzir distâncias e evitar deslocamentos, segundo especialistas. Neste caso, opções de ensino à distância ou videoconferências podem ser uma saída, mas ainda sem alcance de grande impacto no trânsito, na prática.
"Todos os sistemas se completam, não podemos pensar em uma coisa apenas. Temos que entender o problema do trânsito como um sistema inteiro. O grande problema é a falta da visão do todo", diz o professor Lopes, do Mackenzie.
Fonte: http://g1.globo.com/
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