segunda-feira, 16 de abril de 2012

Brasília sob pressão.

Aos 52, Brasília chega a menopausa
Jovem senhora sim, madura ainda não.

Quem diria! A jovem cidade modernista, planejada por Lúcio Costa em forma de avião com a participação de Oscar Niemeyer, responsável pelos principais projetos de Arquitetura, como a bela catedral, o Congresso Nacional ou o Palácio do Alvorada etc., que encantou o mundo nos anos 60, celebra no dia 21 de abril 52 anos de existência cercada por rugas e cicatrizes, apesar de toda a maquiagem.

Imagem: Brasília vista da Estação Espacial Internacional


Recentemente, uma comissão de peritos da Unesco visitou a nossa capital federal para fazer um diagnóstico sobre as condições ambientais, arquitetônicas e urbanísticas da cidade, cujo resultado
deverá ser divulgado em junho. 

Brasília, acredite, corre o risco, inclusive, de perder o título de “patrimônio cultural da humanidade”, devido a uma série de problemas, o que seria um vexame para todos nós, leigos e profissionais da Arquitetura, que amamos Brasília. Ao longo de sua história, a quarta cidade mais populosa do país acumulou problemas desde a falta de manutenção e conservação de edifícios modernistas até à ausência de um planejamento urbano, além da alteração do plano piloto inicial. 

Imagem: Palácio do Planalto em obras
Fonte: http://oglobo.globo.com


O Palácio do Alvorada, por exemplo, onde pontifica atualmente a presidente camaleã Dilma, passou há pouco por ampla reforma devido a problemas de infiltração de água e rachaduras no concreto. Imagine o resto!

Entre outras questões problemáticas, enfim, analistas elencam as seguintes:

1) a alteração do plano piloto original, com o surgimento de novos setores não previstos, fruto da especulação imobiliária;

2) a construção de condomínios e hotéis na orla do lago Paranoá, obstruindo o acesso público e o layout da paisagem. Em seu artigo "Lago Paranoá de Brasília: 45 anos de inacessibilidade", Frederico Flósculo Pinheiro Barreto, professor da FAU UnB, assevera que desde a inauguração de Brasília nenhum governo fez uma intervenção séria para que essa imensa área exercesse sua plena vocação para  o lazer da totalidade de sua população. Pelo contrário, "suas margens vêm sendo privatizadas pelos moradores de seus bairros ricos, por décadas", destaca o professor;

Imagem: Alvora Hotel e Flats (antigo Blue Tree)
Autor: Rafael Lang


3) a construção de puxadinhos, com bares e restaurantes, invadindo áreas verdes;

4) pilotis dos prédios das quadras cercados por grades ou ocupados por estacionamentos:

5) blocos de edifícios com mais de seis pavimentos, como estava previsto inicialmente;

Imagem: Vista aérea de Brasília (1961)

6) a transformação do eixo munumental, onde se encontram os Ministérios e a catedral, num palco de protestos dos sem-teto, sem-terra dos sem-nada da sexta economia do mundo!

7) O inchaço populacional de uma cidade ideal prevista para abrigar até 500 mil habitantes e que ultrapassou a marca dos 2,5 milhões de habitantes em 2010;

Imagem: Brasília, foto registrada pelo satélite da Nasa em 08 de janeiro de 2011


8) Trânsito difícil, com ruas mal pavimentadas;

Imagem: Rodoviária de Brasília
Autor: Rafael Lang


9) O aumento da violência, principalmente nas cidades-satélites. Motivo: a disseminação do maldito crack, que atinge outras cidades brasileiras, além da Cracolândia, em São Paulo.

No final do ano passado, entidades, professores, arquitetos e urbanistas de Brasília, organizaram o "Manifesto Urbanistas por Brasília" com o intuito de defender a integridade do Plano Urbanístico do Plano Piloto de Brasília contra o parcelamento de solo proposto pela Terracap para a Quadra 901 do Setor de Grandes Áreas Norte (SGAN) de Brasília.

"Trata-se da mais contundente agressão ao Plano Urbanístico do Plano Piloto de Brasília por meio da criação de lote com aproximadamente 85.000 m² a ser ocupado por edificações em altura destinadas a hotéis e outras atividades comerciais que por fim serão desvirtuadas para uso residencial como já ocorre no SHN, SCES e SHTN.. redigiram um documento Sob a copa 'O que a cidade precisa é de lucidez no planejamento urbano. É preciso impedir que as forças do capital, da construção civil, avancem descontroladas, sem preocupação com o crescimento sustentável'", define o Manifesto.

A Brasília dos "anos dourados" quando surgiu a Legião Urbana, de Renato Russo, Dado Villa-Lobos, Marcelo Bonfá e do Renato Rocha (atualmente morador de rua em Sampa) ou quando domésticas reclamavam da falta de esquinas para poder namorar, com certeza acabou.

Imagem: Legião Urbana na rampa do Congresso nacional
Fonte: http://www.reidaverdade.com


Ao concluir, um desejo: oxalá, o lema de Brasília “venturis ventis”, aos ventos que hão de vir, não seja prenúncio de uma tempestade ou tsunami, mas de consciência e bonança!


José wolf
Colaborou: Oliveira Júnior

4 comentários:

  1. De fato é um problema; aliás, são vários os problemas. A cidade "sonho" para muitos arquitetos, tem hoje seus planos frustrados, por conta de especulação imobiliária e pela ausência poética de muitos. A falta de responsabilidade com o nosso meio brasiliense reflete na vida de todos. A moldura caiu e já vemos o estrago no retrato. Bom, essa é a minha percepção: antes encantada por Brasília; hoje, morando nela, sinto apenas desilusão.

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  2. Caro Oliveira Jr.,
    Obrigado por resumir todos os chavões sobre Brasília num único e conveniente artigo.

    0) Não acredite em tudo o que ouve, especialmente saído da boca de ativistas. Brasília está longe de entrar para a lista do patrimônio ameaçado.

    1) A alteração do projeto vencedor do concurso de 1957 começou em… 1957. Nunca existiu um "projeto original" pois o plano da cidade sempre esteve em constante mutação, como convém, aliás, a um monumento modernista.

    2) A construção de hotéis na orla do lago já estava prevista no plano de Lucio Costa, o qual, oriundo da pior tradição urbanística luso-brasileira, ignorava — como a maioria dos outros projetos do concurso, aliás — a relação da cidade com o lago. Colhemos o que foi plantado lá atrás.

    3) Cafés ocupando a calçada em Paris é chique. Cafés ocupando a calçada em Brasília é uma afronta ao tombamento?

    4) As grades são raras, e os pilotis usados como estacionamento só ocorrem justamente nos prédios mais antigos, aqueles de autoria de Niemeyer, Nauro Esteves e Lelé. Ou seja, estamos dizendo que os próprios autores, na própria época da construção da cidade, estavam a agredi-la?

    5) *Talvez* seis pavimentos, está escrito no RPP.

    6) Expulsar os sem-teto do centro de São Paulo é fascismo tucano. Expulsar os sem-teto do centro de Brasília é justo e necessário?

    7) O Plano Piloto tem meros 200.000 habitantes, menos da metade do originalmente previsto. Por que seria mais importante nos preocuparmos com os 2 milhões de remediados confinados em cidades satélites do que em saber por que os 200.000 ricos do Plano Piloto inviabilizaram a densidade populacional prevista no edital do concurso? Que postura elitista!

    8) Reclamam que Brasília privilegia o automóvel, mas ficam exigindo melhor pavimentação das ruas — que não fazem feio perto da maioria das cidades brasileiras — em vez de olhar o calamitoso estado dos caminhos pedestres.

    9) Tá, e daí?

    10) O manifesto dos urbanistas por Brasília é uma artimanha urdida pelo sindicato dos hotéis para impedir maior concorrência no ramo e assim proteger seu serviço caro e vagabundo. Ainda não estou convencido de que a expansão do setor hoteleiro seja a maior calamidade do universo desde as 10 pragas do Egito.

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    1. Pedro, agradeço o contraponto. Em se tratando de um espaço de opinião, reflexão, crítica e debate, no ArqPB os paradoxos são muito bem vindos, principalmente quando são feitos de forma inteligente e respeitosa.

      Seus comentários são pertinentes e servem para preencher as lacunas que o breve texto porventura tenha deixado em aberto.

      O texto original foi enviado pelo jornalista José Wolf e a mim coube inserir as ilustrações e discretas pontuações e revisões.

      Desde que entrei na faculdade, em 1984, Brasília já era foco de muitas polêmicas. Os questionamentos eram vários e envolviam, entre outros, a escolha do projeto de Lúcio Costa, a questão da setorização dos usos e a ocupação do solo, o conflito entre carros e pedestres e a expansão urbana do plano original.

      Vinte e oito anos se passaram e Brasília pereceu dos mesmos males da outras cidades brasileiras quanto ao trânsito e a mobilidade, a segregação sócio espacial, a especulação imobiliária e a apropriação dos espaços públicos de lazer, entre outros.

      Discutir urbanismo é um ópio e fico bastante entusiasmado quando leio suas observações e percebo que este blog cumpre o seu papel de mediar e enriquecer o debate sobre fatos que delineiam o desenho urbano das nossas cidades.

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  3. Sr Oliveira Júnior, achei interessante seu texto, mas eu vejo que as pessoas confudem muito o projeto de Brasília, e pior, uma mentira dita várias vezes se torna verdade. Jamais Lúcio Costa definiu um limite populacional para cidade. Tanto, que mesmo que existisse um limitante populacional em Brasília de 500 mil habitantes, o próprio Lúcio Costa, já definia que a cidade deveria ter expansão, via cidade-satélites.
    Outro ponto que concordo contigo, a respeito da setorização que se mostrou desastrosa, pois, temos excesso de utilização de espaços durante o dia e desperdiço dos mesmos durante a noite. Sem contar que a setorização foi equivocadamente criada em Brasília, querendo misturar atividades que apresentam conflitos, como áreas educacionais próximas de áreas residenciais, áreas comerciais próximas de áreas educacionais, áreas comerciais próximas de residências e áreas hospitalares próximas de residências.
    Eu digo por experiência própria nesse conflito, na minha infância contraí hepatite, devido essa proximidade de hospitais da minha residência. Outro ponto, o planejamento da cidade não previu a mobilidade social.
    Essa mobilidade social, aonde no passado um contínuo de uma repartição pública, passado décadas, a mesma pessoa, iria se aposentar como contínuo? Erro de planejamento, pois, sabemos, que numa repartição pública qualquer, existe progressão funcional, então, teoricamente haveria uma melhoria de vida.
    Então, em certos locais, anteriormente projetados para pessoas de baixa renda a 50 anos atrás, nos dias atuais, as mesmas pessoas tem uma renda média ou até mesmo alta.
    O mesmo se diz respeito a mobilidade urbana e a acessibilidade, inexistente na cidade, até mesmo para implantar o sistema, que já previa em 1977 a implantação de zona azul no centro da cidade e também de transporte de massa foi abandonada pelo governo devido a desinteresse da cidade.
    Sem contar também, que depois que inventaram tombar a cidade, os problemas se tornaram crônicos, pois antes de 1987 a cidade não tinha sofrido tantas agressões urbanísticas e somente depois que inventaram esse aparthaid urbanístico, o problemas ocorreram.
    Pra min não houve participação popular no tombamento da cidade, pois, eu acho que antes de tombar a cidade, a mesma deveria ter sido repensada com a sociedade e não com o corporativismo dos arquitetos, engenheiros entre outros.
    Pois, quem agride o tombamento da cidade são justamente os arquitetos e engenheiros e não os moradores. E claro, antes de falecer, Lucio Costa estipulou uma certa expansão da cidade, que, acredite, é atacada justamente pelos arquitetos e engenheiros, pois afronta o tombamento da cidade.
    O tombamento inclusive foi motivo de piada por parte de Oscar Niemeyer, pois, aqui, inclusive cancelaram o projeto do mesmo advinhe para qual órgão, justamente para o IPHAN, tudo porque avançava apenas 1 metro em relação a altura permitida para o Setor de Clubes, 1 metro.
    Agora, o cercamento das mansões dos Lagos Sul e Norte que não estavam no projeto original, não afronta o tombamento.

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