domingo, 2 de janeiro de 2011

DE VOLTA AO FUTURO

FAUPE, DE VOLTA AO FUTURO
(Um sonho interrompido)
Jornalista José Wolf


Recife/dezembro 2010

Em meados de agosto de 2010, começavam a fervilhar os rumores sobre o possível fechamento da FAUPE. Fato confirmado logo depois, ao ser anunciada a sua venda e incorporação a uma holding de microescolas comandada pelo grupo Maurício de Nassau.

Com isso, chegava ao fim um sonho que marcou corações e mentes de várias gerações de jovens arquitetos pernambucanos.


Meninos e meninas, eu vi!



Era 1987, em pleno período da democratização do país, depois de longos anos de ditadura militar, quando chega a notícia que haveria de revolucionar o meio escolástico. Ou seja: a criação de uma nova escola de Arquitetura, na cidade do Recife, até então dominada pela tradicional Universidade Federal de Pernambuco.

A notícia caiu como uma bomba junto a certos círculos acadêmicos, cujos representantes se julgavam donos de uma capitania hereditária do Ensino de Arquitetura.

A notícia, por outro lado, coincidia com o surgimento, em São Paulo, da revista AU- Arquitetura e Urbanismo.

Tanto a nova Faculdade, reconhecida alguns anos depois pelo MEC, quanto a nova publicação tinham um ideal comum: a renovação conceitual e critica em relação à produção e reflexão sobre a prática e a cultura arquitetônicas.

A princípio, a nova Faculdade, sob o comando do historiador Armando Souto Maior e a coordenação da guerreira Vitória Régia Andrade, apostou suas fichas num ensino fecundado pela visão crítica da história da Arquitetura. Mais tarde, sob a coordenação do professor Maurício Rocha, a ênfase foi preparar o futuro profissional para enfrentar, com competência, o mercado cada vez mais competitivo. Segundo alguns, esse foi o grande diferencial da nova escola particular em relação à Federal. Uma se preocupava com o exercício profissional, a outra com o viés acadêmico voltado para a pesq uisa, cursos de especialização e mestrado.

Enquanto isso, a AU idealizada pelo empresário Sérgio Pini, pai do arquiteto Mario Sérgio Pini, seu principal fundador e diretor, apostava na inovação editorial, em termos de linguagem jornalística, diagramação e enfoques temáticos, além da análise crítica da produção arquitetônica brasileira contemporânea.
- Meninos… eu vi!
Eu me lembro que hospedado na Pousada Quatro Cantos, em Olinda, fui procurado por um grupo de alunos (a dinâmica Tereza Simis, a eficiente Vera Menelau, a astral Betânia Sampaio, o competente Fernando Medeiros, o franciscano Luiz Augusto e a sensível Melânia Forest), que me convidou, na condição então de editor da revista AU (ao lado das jornalistas Haifa Y. Sabbag, Lívia Pedreira e Éride Moura) para participar do I Ciclo de Debates sobre Regionalismo Crítico promovido pela FAUPE.
Suco de pitanga ou coca-cola?
A indagação do jovem Buga (Geraldo Marinho) sintetizava a linha reflexiva dos debates. Ou seja: qual a opção? Arquitetura Vernacular ou Arquitetura Internacional, sem identidade e cor local?



Os debates contaram com a presença expressiva de profissionais, entre os quais Assis Reis (BA), Marco Antonio Borsoi e Carlos Fernando Pontual (PE), Mauro Neves (RJ), Mario Aloísio e Ovídio Pascual (AL), além do irreverente e polêmico Expedito de Arruda (PB). Provocador, Expedito projetou, de propósito, o slide de um de seus projetos, de cabeça para baixo, em meio ao espanto da platéia. Ele reagiu, argumentando: – jovens, quem disse que existe apenas uma forma de se ver as coisas?

 
Com certeza, uma bela metáfora, que traduzia toda a filosofia da instigante escola. Filosofia alimentada pela competência e idealismo de seu corpo docente. Que tinha, entre seus professores, arquitetos do quilate e QI de um Antônio Amaral, Carmen Mayrink, Marco Antônio Borsoi, Milton Botler, Noé Sergio, Roberto Montezuma, Vera Pires e Zeca Brandão. Aliás, numa experiência pioneira, muitos alunos, depois de formados, foram incorporados, também, ao elenco de professores.



- Para Luiz Augusto, a Faupe significou – uma mãe. Pois eu nasci dela. Que me ensinou os primeiros passos do meu caminhar.

- Faupe? A meu ver, foi uma espécie de Bauhaus pernambucana, em busca de um novo pensamento e olhar arquitetônico, diz Melânia Forest.
- Eu já havia me formado em bioquímica, mas depois de voltar de Israel, onde vivi mais de três anos, decidi ingressar na Faupe, com um único objetivo: conhecer melhor a história da Arte, que me fascinava, mas acabei sendo arrebatada pela Arquitetura, revela a arquiteta e arqueóloga Tereza Simis.
- Para a escultora, artista plástica Lígia Costa, a faupe fortaleceu minha maneira de ver, sentir e descobrir outros ângulos da arte.
O sonho, enfim, foi interrompido, mas sua história continua a iluminar os caminhos e trilhas de muitos arquitetos que atuam hoje em escritórios de Arquitetura, autarquias ou órgãos públicos, como a Chesf ou a Petrobrás.
Em síntese, uma história e uma experiência exemplar de Ensino – sem dúvida, uma das mais bonitas do século XX e da primeira década do século XXI – que nem o tempo nem ninguém conseguirão apagar.

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