sábado, 18 de junho de 2011

Fórum Jovens Arquitetos Latino-Americanos

Fortaleza no centro das discussões sobre arquitetura contemporânea latino-americana
Oliveira Júnior¹

Na segunda semana de junho, entre os dias  8,  9  e  10,  aconteceu,  em  Fortaleza,  um  dos  mais  importantes  eventos  brasileiros  de arquitetura dos últimos anos: o "Fórum Jovens Arquitetos Latino-Americanos - uma inserção numa realidade periférica". A organização, a cargo de um grupo de novíssimos arquitetos cearenses, teve a brilhante ideia de reunir 11 jovens arquitetos da América do Sul para discutir, através da produção dos seus escritórios, um recorte da nova arquitetura latino-americana. O perfil dos palestrantes envolvia uma ligação com a academia através da docência, a participação e o destaque em concursos públicos de projeto e premiações, além de uma produção que ainda não estivesse consagrada pela mídia especializada.


Comissão organizadora: arquitetos Bruno Perdigão, Marcelo Bacelar, Igor Ribeiro, Epifânio Almeida, Davi Ramalho, Bruno Braga, Lara Lima e o administrador João Victor 

Auditório da Fábrica de Negócios, Fortaleza-CE.

O auditório da Fábrica de Negócios completamente lotado denotava o enorme interesse dos arquitetos e estudantes em conhecer como a nova geração de profissionais  incorpora,  em  sua  prática  projetual,  o  discurso  teórico  fundamentado  em  uma  identidade  latino- americana.  

O  professor  Fernando  Lara  destacou,  em  sua  vídeo-conferência  de  abertura,  que  a  América  Latina  sempre  foi  um  campo  de experimentações  para  a  Europa  e que  isso  resultou  em  diversos  processos  de  "transculturação";  ou seja,  o  impacto  entres  duas culturas  gerando novos  padrões para  ambas; e  ressaltou que,  de certa  forma, esse  processo  contribuiu para  forjar a  diversidade cultural  do nosso continente. 

Lara afirmou que a aproximação entre os arquitetos latino-americanos é recente e que há algumas décadas a relação da arquitetura com o exterior se dava principalmente com a Europa e os EUA.


Fernando Lara - Brasil / Austin, Texas - EUA

Clique e assista o vídeo de abertura do Fjal com Fernando Lara


Esse momento histórico, em que a arquitetura latino-americana desperta para suas particularidades geográficas e procura afirmar uma identidade própria sem perder de vista a contextualização global, é extremamente rico e complexo. 

Nesse sentido, o Fórum Jovens Arquitetos Latino-Americanos foi extremamente bem sucedido porque conseguiu confrontar modos de pensar o espaço construído tão díspares e tão afins. Em síntese, fica evidente na exposição dos trabalhos de todos os escritórios que, em última instância, o contexto geográfico, em todas as suas variáveis, é sempre quem dita a forma de espacialização e a morfologia arquitetônica. 

Álvaro Puntoni - SP

Na abertura do FJAL, o arquiteto Álvaro Puntoni faz um breve passeio pela selva de pedra chamada São Paulo para contextualizar sua obra carregada da tectonicidade do concreto em que a busca pela construção de espaços vazios talvez seja uma súplica implícita por um espaço de convivência tão caro numa cidade super adensada. 

Casa do Morro do Querosene - SP (Álvaro Puntoni)

Al Borde - Pascual Gangotena e David Barragan

Na segunda palestra o Al Borde, representado por Pascual Gangotena e David Barragan sensibilizaram a audiência com uma prática que aproxima a  pesquisa  acadêmica  das  necessidades  da  população  menos  favorecida  e  geralmente  excluída  do  acesso  aos espaços construídos com qualidade e dignidade. Para o Al Borde, o importante é fazer as perguntas certas para "resolver os problemas da maneira mais básica, fundamental e simples possível".  A simplicidade da sua obra despertou-nos um sentimento do poder transformador da arquitetura. 

Escuela Nueva Esperanza

Luciano Andrades e Silvio Lagranha (Studio Paralelo), Andrés Gobbas e Maurício Lopes (MAAM)

No segundo dia, o início da tarde foi dedicado às apresentações do Studio Paralelo (Brasil) e do MAAM (Uruguai) que desenvolvem um trabalho colaborativo apoiado das tecnologias de comunicação e informação com foco nos processos de configuração morfológica dos projetos. As afinidades entre os dois escritórios já lhes renderam a conquista de diversas premiações em concursos, a exemplo da sede do CREA-PB em Campina Grande. 


Yuri Vital - SP

A participação do paulista Yuri Vital foi pontuada com projetos que buscam valorizar o paradoxo entre o peso e a leveza da arquitetura.

Ancorada na tradição da escola paulista de Artigas e Mendes da Rocha, a obra de Vital explora um repertório mínimo de materiais, como o concreto, o aço, o vidro e os cobogós, apresentados sempre que possível em seu aspecto natural. Fernando Lara destaca a importância da "Box House" como paradigma de qualidade em arquitetura de baixo  custo e faz uma  provocação quando contesta, em seu vídeo de abertura do Fjal, a aplicação do acabamento em reboco sobre os blocos de concreto.        .       


Capela GRU - SP


Oliveira Júnior e Davi de Lima (7S34W) - PB

A última palestra da quinta-feira foi a do escritório 7S34W, representados por mim (Oliveira Júnior) e Davi de Lima. A exposição enfatizou a estreita relação entre a geografia e a identidade arquitetônica local pautadas nas reflexões teóricas de Rossi, Lamas e nas recomendações do "Roteiro para construir no Nordeste", de autoria  do  arquiteto  pernambucano  Armando  de  Holanda. As obras e projetos desenvolvidos predominantemente em concreto, em madeira ou em aço representaram um recorte cronológico e tectônico da produção do 7S34W e denotaram a versatilidade da produção dos arquitetos. Nas palavras de Fernando Lara as obras de Oliveira Júnior representam “uma arquitetura brava, uma arquitetura forte. Lê o que tá se passando no mundo e traduz em materialidade, em tectonicidade pra construtividade” local sem se render a  ela. 

Residência MP, João Pessoa/PB.

Pedro Rivera e Pedro Évora

A primeira apresentação do último dia do FJAL foi do Rua Arquitetos. Pedro Évora e Pedro Rivera trouxeram para o Fórum "flashes" da sua experiência urbanística na  cidade do Rio de Janeiro. Com um  trabalho ora centrado nas questões sociais  e periféricas e, outras  vezes, na efemeridade dos eventos urbanos. Atentos à complexidade dos fatos sociais, o Rua Arquitetos olha a cidade como faria Ole Bauman  quando  ressaltou  no  19º  CBA,  ano  passado  no  Recife:  "onde  há  uma  necessidade,  há  uma  oportunidade".  Com  o  jeito "malandro" do bom carioca, os Pedros deixaram seu recado no FJAL de que "quem sabe faz a hora não espera acontecer" (Vandré). 


Motolab ESDI - RJ

Federico Mesa - Plan B

Uma das características  fortes no trabalho apresentado  pelo colombiano Frederico Mesa, do  Plan B, foi o  processo de investigação morfológica a partir  da variabilidade de uma unidade  formal pré-definida que tem  na obra do Orquídeograma seu  exemplar mais bem sucedido. Os  projetos do Plan  B, mesmo  diante de um  claro rigor racional,  modular e  construtivo, procuram explorar  a dinamicidade morfológica espacial e volumétrica em detrimento de uma organização arquitetônica cartesiana. 


Orquideorama - Medellin, Colombia

Alexandre Brasil e Bruno Santa Cecília

   
A penúltima conferência do Fjal foi brilhantemente conduzida por Alexandre Brasil e Bruno Santa Cecília dos Arquitetos Associados. O grupo contextualizou sua formação em meio à rebeldia mineira dos "pós-modernistas" Éolo Maia, Jô Vaconcelos e Sylvio de Podestá de um lado,  e as  referências modernistas  "clássicas" cariocas  e paulistas do  outro. As  principais obras  apresentadas estão  em Minas Gerais orbitam em torno da capital Belo Horizonte.  

A relação dos arquitetos com a academia é explícita tanto na postura crítica e conceitual das  intervenções, como na maneira didática de explanar  suas  idéias.  O  destaque,  sem  sombra  de  dúvidas,  foi  para  o  conjunto  arquitetônico  do  Inhotim,  onde  hierarquicamente  a natureza se sobrepõe à arquitetura e fica clara a intenção dos arquitetos em mimetizar a construção com a paisagem para minimizar o impacto visual.     

 
Galeria Miguel Rio Branco - Inhotim

Sebastián Irarrázaval

O fechamento do Fórum Jovens Arquitetos Latino-Americanos ficou sob a responsabilidade do chileno Sebastián Irarrázaval que iniciou com um breve panorama sobre as condições políticas, econômicas  e sociais que forjaram o sucesso  da arquitetura contemporânea chilena, enfatizando  a ascensão de  uma nova elite que  buscou afirmar-se por  meio da construção de  novos signos e  edifícios que representassem seus ideais e a diferenciassem da classe dominante anterior.  

A seleção das obras foi comentada através de vídeos que tinha a clara intenção de revelar a arquitetura como um "organismo vivo" e a dinamicidade na apropriação dos espaços pelos seus usuários.  Para Irarrázaval importa mais a materialidade na arquitetura que sua relação com o lugar e as tradições locais.  

Sebástian Irarrázaval encerrou o Fjal deixando no ar uma provocação de que o abandono das tradições é um ponto fundamental para a construção de uma nova arquitetura. 


Casa Las Palmas - Chile

Após três dias de intenso intercâmbio cultural e arquitetônico, fica  a certeza de que todos saíram ganhando deste fórum. Durante esse período, a imprensa cearense difundiu maciçamente o evento e realizou diversos debates sobre o papel dos arquitetos e urbanistas, das universidades e do poder público na qualificação dos espaços urbanos e o impacto direto sobre a vida dos cidadãos.  
O sentimento entre os participantes é o de que se leva na bagagem muito mais do que se trouxe para compartilhar, afinal "o todo é maior que a soma das partes". 

Fica  a esperança  de que  os conhecimentos  compartilhados sejam  multiplicados e  que a  semente lançada  no Fjal  seja replicada  em outras partes do país e da América Latina. 
À imprensa especializada cabe o papel de fazer reverberar o conteúdo geral do Fórum Jovens Arquitetos Latino-Americanos para que sejam agregados outros nomes e outras possibilidades à discussão de uma ou de várias identidades arquitetônicas latino-americanas. 






Palestrantes do FJAL: Sebástian Irarrazaval, Yuri Vital, Pedro Évora, Pedro Rivera, David Barragan, Frederico Mesa, Pascual Gangotena, Maurício Lopes, Davi de Lima, Bruno Santa Cecília, Luciano Andrades, Silvio Lagranha, Alexandre Brasil, Oliveira Júnior e Andrés Gobbas.


Nota 
1. Oliveira Júnior é arquiteto e urbanista. Graduado pela Universidade Federal da Paraíba e mestre em Engenharia Urbana pela mesma instituição.  Professor  do  Curso de  Arquitetura  e  Urbanismo  do  Centro Universitário  de  João  Pessoa  –  Unipê, nas  disciplinas  de  Projeto Arquitetônico e Desenho Urbano. Diretor do escritório 7S34W Studio, onde desenvolve projetos de arquitetura e de desenho urbano. 

Fotos:  
A maior parte das imagens é de autoria do 7S34W 
Observação: algumas imagens foram coletadas nos sites dos próprios arquitetos e os direitos autorais são exclusivos dos seus autores.   

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